O Retrato de Dorian Gray na minha alma Estilhaça-se em fagulhas cruéis Saem de mim, braços violentos Capazes de dobrar os silêncios antigos Em teias assassinas Para amordaçar os dias Num estrangulamento de raiva
Não vivo. Abocanho tudo em redor de mim Numa fúria de vulcão ressuscitado Numa loucura de quotidiano em Apocalipse Numa transcendência de sangue roubado Ossos moídos, triturados Ao longo das eras
De dia, mastigo envergonhada os gemidos Do cansaço De noite, os uivos dominam o espaço Num rigor de destruição abominável
Deixei de cingir em mim o tempo É ele que me torce e arranca Numa brutalidade de fera ferida Numa vingança lenta e talvez premeditada Pelo garrote velho da racionalidade esventrada
O Retrato de Dorian Gray na minha alma Abre-se em gritos e punhais Para assassinar no presente O passado que vivi
Os cães são Seres maravilhosos Que saltitam pelas nossas vidas Dormem aos nossos pés Olham-nos com carinho No cansaço do fim do dia
Os cães são Anjos de pêlo colorido A transbordarem reconhecimento Pela nossa presença
Os cães são Aqueles amigos inquestionáveis Que partilham as migalhas da nossa comida E da nossa atenção Como se de um manjar delicado De amor e gastronomia se tratasse
Os cães são Os únicos seres Que trazem o código de barras oculto Do céu
Adoecem-me as pessoas piegas Sem razão Tão entretidas entre as suas mágoas Light Que não vêem os pássaros mortos No passeio Que não sentem o frio do abandono Dos cães que erram esfaimados Pela cidade
Adoecem-me as pessoas importantes Sem substância, nem conteúdo, que valha Adquirir Iluminadas pelas suas roupas plumosas e Vistosas A respirarem euros, das marcas A condizer Com os dias e os lugares por onde Passeiam
Adoecem-me os pobres de espírito Cheios de si A encherem os cafés com caudais de vozes Exaltadas à toa Das suas convicções de pacotilha Que munidas de garrafas de cerveja Bafejam o ambiente, com a vitória dos seus clubes E os erros dos árbitros, dos quais conhecem melhor os passes Dos que os esgares, das mulheres com quem Dormem
Adoecem-me os maneirismos educados Dos intelectuais convencidos Da imensidão dos seus conhecimentos Que entretêm as multidões, do lado de lá Do ecrã Nas salas apertadas, entalados entre preocupações reais E pouca fé num amanhã de sol
Por isso, fico em casa, quietinha, de televisão desligada Com a cabeça em curto-circuito, intermitente E deixo deslizar as horas, enquanto tento aprender A pensar Ana Wiesenberger in Liberdade
Amanhã vou ser feliz Vou encomendar doces e salgados E sentir-me perto de alguém
Amanhã vou desaparecer Com a ajuda do anel mágico Como numa ponte entre o sonho E a realidade
Amanhã vou ser feliz Vou respirar castelos gloriosos Cuidadosamente guardados pela rã Numa encruzilhada de espaço e tempo Dobrado entre as pregas dos meus silêncios Absurdamente perdidos Ao Deus Dará