Não sei, se são saudades do meu país Ou as outras, as da infância O tempo da inocência, da crença Dos sonhos que haviam de vir
Não sei, se são os arcos da memória A torturarem-me em flechas elegantes A insinuarem em mim Imagens longínquas de praças e ruas Ao sol
Não sei, se é Lisboa a rasgar-se Por entre os meus dias de frio Longe do Tejo de menina E do Sado da adolescência
Não sei, se são os sons nasalados De Pão e de Não que me faltam Se são os rostos abertos em sorrisos Dos amigos que encontramos, por acaso No café
Não sei e talvez não seja bom para mim Escavar na ausência Ecos e vozes de outras datas Quando escolhi aceitar nos caminhos A luz amarga da razão
Amanhã, não Depois de amanhã e outro amanhã Seguido de muitos outros amanhãs Hei-de abraçar em mim, sôfrega Uma língua, uma casa de janelas abertas Uma proximidade terna De que nunca me cheguei A exilar
Tornei-me um nó imenso Uma tocha incandescente de dor À deriva pelos dias Que se foram, que vão Que hão-de vir
Nada em mim aponta caminhos De Sol e madrugadas felizes Recolhi todas as chaves Mas não achei a porta Deitei-me à soleira de muitas Quando o cansaço me obrigava A relaxar os músculos de procurar
O tempo é um fio doloroso A que nos agarramos como náufragos Fantasmas de nós E do que poderíamos ter sido E rasga-nos as entranhas Quando a noite nos assola o espírito Para escavar bem fundo Todas as ausências que nutrimos E todas as âncoras que recusámos A bordo de um navio fantástico Desse capitão holandês Que nos fez perder a alma
Agora já é tarde para sairmos da caverna E abandonar o mundo das sombras Que tomámos por real A luz queimar-nos-ia os olhos Devolveria os nossos corpos à terra Reduzir-nos-ia ao pó Estrelas desfeitas num universo moribundo De um criador louco
Ontem tive frio dentro de mim E quis afastar-me do ermo cinzento musgoso Que me apertava na garganta Uma urgência de correr
Ainda olhei em redor A sondar na postura das minhas sentinelas Uma brecha de liberdade Em Vão
Por isso, deixei-me estar atrás do vidro Das muralhas do meu palácio Tão diligentemente construído E fixei no céu aberto Um pedido veemente De uma tempestade tropical
E logo ribombaram luzes magníficas A sacudirem a minha solidão Em abanões de lágrimas E queixumes ancestrais Do meu pacto
Depois, voltei ao meu silêncio Tranquila na responsabilidade do meu caminho Apaziguada e rendida À consciencialização de um dever Que é desejo Que tudo transcende E a tudo obriga E é voz, corpo e carne Em mim
Fico ébria de tanto querer sonhar Pesam-me os dias cinzentos E a inquietude enlouquece-me Ahab rendido a uma Moby Dick Sempre longínqua
Desfio planos de evasão impossíveis Que não me convencem a acarinhá-los Pequenos nichos de encontros De corpos emaranhados Numa Voz Subterrânea Que alcançou a luz real
E fico triste e envergonhada Por não conseguir tocar o mosto A madureza de uma maçã por saborear Votada à eternidade do meu medo De sentir Recatada, sem enlaçar as mãos à beira do rio Que eras tu E que eu me recusei a ver
Mas tudo isso, já são verdes de outrora Que agora amarelecem no Outono Do que quase consegui ter E deixam-me na nostalgia dos caminhos Que poderia ter percorrido Se não fora A imensidão ferida das asas sacrificadas Na senda de um amor absoluto e natural