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querotrazerapoesiaparaarua

querotrazerapoesiaparaarua

Está a Nevar

Está a nevar
Apetecia-me depositar o meu corpo nu
Na relva do jardim
E confiar à frescura dos flocos melancólicos
O apaziguamento dos meus nervos em chamas

Na casa, aqui e ali
Os sinais evidentes das fúrias que me dominam
Numa exaltação de dor prisioneira
A jorrar de um vulcão incalculável

É triste, este viver aos solavancos dentro de mim
E só chegar aos outros
Em pantominas de excesso
Escuridão rasgada em raios assustadores
Feridas regadas com a gasolina
Que o tempo entendeu espalhar
Numa composição de loucura

A aranha que me tece
Não desiste
Franqueia todas as portas
E os muros que ergo
Nos soluços dos dias

De tanto, querer o sal nas minhas jornadas
Escavo mais e mais na minha permanência
Grutas e túneis sem sentido
Labirintos de caminhos que já esqueci
Territórios bastardos das crenças
Que já me abandonaram
Relógios parados de ponteiros quebrados
Em esgares de morte

Se ao menos, houvesse uma frecha de luz
Na minha penumbra
Se o sol viesse encantar a minha tarde
Em melodias douradas
Se o mar me abraçasse numa libertação
De redes torpes
Talvez eu pudesse ser uma concha de paz
E eternidade

Ana Wiesenberger
07-02-2013

Imagem - Odilon Redon


Imagem - Odilon Redon

Androgynos

Androgynos - fonte desconhecida

Esculpi-te na minha névoa
Palmo a palmo
Senti os teus ombros
Nascerem das minhas mãos

Trabalhei, depois
A densidade muscular do teu peito
A linha seca dos quadris
As nádegas perfeitas
As pernas fortes como colunas
Os pés largos e atléticos

Fiz, então uma pausa
Para contemplar a obra em curso
E senti-me vã e trivial
Um corpo de Amor não tem rosto
E não sei, se terá sexo
Alma terá com certeza

E então, comecei de novo
De um bloco de pedra alva
Surgiu um vulto andrógino
Magnífico
Não era um homem
Não era uma mulher
Era um ser indistinto
E contudo, tão distinto nas suas feições
Propensas à ternura, à compreensão
À companhia

Os olhos eram límpidos
Sem medo de ver
Os ouvidos bem delineados
Sabiam escutar
E a boca suave
Preparada para deixar fluir
Palavras que são ideias e elos
Isenta de cinismo

Os braços eram sólidos
De uma solidez capaz de erguer
Alguém do chão
Mas nunca de derrubar


O tronco cinzelado com cuidado
Poderia ser seio de alimento
De um lado
Do outro, uma lisura maciça
A prometer abraços, conforto
E unidade

As pernas eram ágeis
Para correr livre como as gazelas
Os pés proporcionados
Para sustentarem longas horas de pé
Em assembleias de cidadãos
Concretizações de uma democracia nobre

E o sexo, não era sexo no singular
Para ser feminino e masculino
Num só ser
De mãos dadas
Vocacionado para amar

Ana Wiesenberger
12-02-2013

Acordei Há Pouco

Imagem - Vito Campanella

Acordei há pouco

Entrevejo o dia sombrio

Através da teia da minha cabeça

E apercebo-me que o Martin Eden

E o Pamuk

São mais reais ainda

Do que o ar, que entra pela janela

Aberta com o propósito resoluto

De ouvir sons comezinhos

Suavizados pelo pipilar dos pássaros

Para actualizar a data

No meu calendário trôpego

Do licor de maçã da véspera

 

Bebi só um pouco

Dois copinhos atarracados

Baixos e largos de estatura

Nada que desperte em mim

Fanfarras Modernistas

Ais Simbolistas

Mergulhos em Paraísos Artificiais

Ou penhascos românticos, suicidas

 

Aliás, fi-lo em companhia

Muito boa companhia, até

Sentei-me com o Fernando

E rimos juntos

Sobre as lacunas do nosso sentir

Os nossos anseios pedantes

De ser e não ser como os outros

A nossa febre de lucidez

Que nos queima a fantasia

E desarticula os nossos afectos

Em notas discordantes

 

Quando já mal nos víamos

Submersos pelo nevoeiro do álcool

E do fumo dos cigarros intermináveis

Falámos da tragédia das nossas infâncias

Dos nossos nomes, réplicas de um antecessor

Precocemente falecido

A que os nossos pais nos condenaram

 

Falámos com gosto

Sobre o calor das letras

A inocência tentadora do branco

Do papel

E do cheiro inebriante, reconfortante

Da tinta

 

E como, já nada mais

Tínhamos a dizer um ao outro

Despedimo-nos com um aceno breve

E afastámo-nos para o abismo de Morfeu

Contrafeitos na cedência dos passos

Conscientes da paz

Que não viria

 

Ana Wiesenberger (in Corredores, Esfera do Caos, 2015)

 

Imagem - Vito Campanella

 

 

 

Solidão

Solidão

Chegam-me ecos de vozes
Pedaços de comunicação
Que não assimilo
Nem compreendo

O meu muro é transparente
Todos me vêem
Mas eu não os vejo
Nem os sinto
Não fazem sentido para mim

Estou presa numa aguarela
Velha e desbotada
Sem acesso às cores vivas
Aos contornos definidos
Ao fluxo da vida
De que me exilei
Discretamente, lentamente
Como uma chama
Que se apaga

Ana Wiesenberger

Imagem - Edvard Munch
Edvard Munch

A Vida Podia Ser Tão Simples

A vida podia ser tão simples
Se não fora complicada
Se não fora estúpida
E obtusa
E tensa
E densa
E desperdiçada
Todos os anos
Todos os meses
Todos os dias
Todas as horas
Todos os momentos
Em que simplesmente
Perdemos a nossa sombra
E nem temos a coragem
De parar
Para a procurar

Ana Wiesenberger (in IDADES)

Shapes of Fear de Maynard Dixon
Shapes of fear - Maynard Dixon

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