Hoje gostava de me pôr em bicos de pés Em pontas, talvez E pintar no cinzento do céu Nuvens cor-de-rosa com sorrisos amarelos E olhos azul-bebé
Depois, ia buscar o resto dos lápis de cor E desenhava com cuidado Um arco-íris sobre o mundo Talvez, assim, as pessoas acordassem Para a beleza, para a paz Talvez, assim, eu conseguisse fazer alguém Feliz Mesmo, se fosse só um minuto Um segundo fugaz, como um gato tímido
Em seguida, se ainda tivesse tempo e energia Envolvia o cotão de neve em bolas de sabão E cristalizava-as no ar Para que nunca rebentassem e fugissem de nós Com a nossa infância e os nossos sonhos
E decerto, que nesta paisagem maravilhosa Haveria ruas e avenidas repletas de gente sorridente A passear os seus cãezinhos e gatinhos De que só se separariam Quando a morte lhes cortasse o elo
Nos parques e nas escolas As crianças viveriam as horas com deleite E de mãos dadas com o amor bem definido Entre as tarefas de crescer e brincar De aprender e de ser
E à noite, não haveria ninguém abandonado Numa praça, num banco de jardim, num canto Ao frio, à fome e à sede Votado ao desespero De não ter amanhã
Neste cenário, ricos seriam só aqueles Que mais podiam partilhar Sem ofender na dádiva Sem engodo oculto Num abraço forte e pleno Fraternidade
Ana Wiesenberger 08-02-2013
Imagem - (efeitos especiais registados no livro encontrado de Herman Schultheis)
O passado é um país estranho Alguém escreveu Talvez, por isso, eu me veja tão distante Nos dias idos, que foram meus E no entanto, dobram no meu reconhecimento Folhas de credibilidade em erupção
Os olhos eram tão vivos Tão resplandecentes de luz De emoção Os gestos eram vestidos de uma força De uma intenção De uma cor Que já não vejo
Quem era aquela miúda sorridente No triciclo a sulcar as horas Com a irmã ao lado Ambas tão entregues à luz da tarde Ao conforto de saber Que a noite é só o que sucede ao dia E abre nas camas fofas A vontade de fechar as pálpebras E sonhar
Quem era aquela adolescente A explodir as horas em fagulhas De ideias, de ideais, de dúvidas E caminhos apetecidos
Quem era aquela jovem mulher Segura e caprichosa nas curvas dos momentos A enrolar o fio das atenções, selectiva Com a naturalidade de quem separa os morangos perfeitos Dos que apodreceram Ou não têm sabor
O passado é um país estranho Que nos devemos coibir de visitar Se queremos viver o presente Com a coragem de sabermos Que o tempo flui E não se agarra E o espelho é uma dimensão líquida E traiçoeira como um lago Coberto de musgo cremoso Em que não devemos mergulhar
A solidão galopa os meus dias De crinas soltas ao vento Da tristeza Da apatia Da fúria que vai e vem E faz ferida No meu corpo indeciso E vazio
Fecho-me nas palavras Aninho-me por entre as páginas À procura do calor Da companhia De outra voz Que me fale Que me entenda Que me leve para longe daqui
Passeio-me pelas cores Deambulo entre pinturas díspares Encontro com sensibilidades Que me tocam Que me afagam Que resgatam na minha consciência A vontade enferma Para olhar em redor
Sonho com bosques vivos Mares e penhascos Terra, maresia O verde revigorante das árvores A frescura salgada da água Mas o farol que devia iluminar Os meus passos Permanece oculto Não atravessa o cerro da floresta Não vence a densidade do nevoeiro
Ser mulher é ter a coragem De ser terna De ser firme De saber encontrar nos instantes O Sim, o Não e o Talvez Das respostas
Ser mulher é enfrentar o medo De se abrir em vida É ter mãos imensas Que cuidam Que afagam Que protegem Que abraçam em si uma intersecção Um mundo próprio Um mundo dos outros
Ser mulher é ser seio e ser arma Ser enseada de paz e amor E ser faca de gume certeiro A dividir no quotidiano As energias, as atenções, o alento Dentro e fora de casa No trabalho E no cansaço Das horas tardias
Ser mulher é ainda Lutar por uma igualdade de direitos Por acontecer Combater preconceitos de mentes atrofiadas Que zelam por mordaças No salário, nas hierarquias E na família
Ser mulher tem de deixar de ser Lágrimas doloridas de vítima de maus tratos Corpos vendidos à dor de sobreviver Almas amarrotadas de silêncios por romper Rostos ausentes de alegria
Ser mulher tem de ser Fazer de cada mês um longo Março E em cada dia, um oito de pés firmes Com coração de leão e pomba Desbravar
Basta! Estamos fartos de servir Quem não serve os nossos interesses Estamos cansados de sustentar Os esquemas corruptos de uma Banca Que sustém sempre os mesmos
Basta! Estamos fartos de acreditar Em Planos de Recuperação, Concertação Que deixam o nosso país de rastos Obrigam os nossos filhos a procurar trabalho Além fronteiras E inviabilizam a educação Dos que se querem construir
Basta! Estamos fartos de ver O Desemprego a crescer A taxa de depressões e suicídio a aumentar Os rostos tristes e desiludidos dos mais velhos A angústia das mães e dos pais do nosso povo
Basta! Estamos fartos de ser iludidos Rebaixados na nossa autonomia Vendidos a retalho Num mercado que nos suga
Basta! Queremos as nossas vidas de volta Queremos ser novamente Um Portugal íntegro e livre
De tantas janelas em portas Desenhar E fingir que sentia a brisa Desabituei-me de respirar Dei nós nos pulmões Mumifiquei a paisagem dos dias Em Naturezas Mortas E errei pelas galerias De um museu de memórias Feridas perpétuas A rasgar na consciência O que podia ter sido E não foi
De tantos silêncios suportar Desabituei-me de comunicar Engoli os pensamentos Sem lhes dar voz E deslizei pelos livros Como nómada À procura de uma pátria de palavras
De tantas errâncias Confundi meu ser Em ambivalências Paradoxos De quem quer ir E ficar Ser E tornar-se Vida