Feliz Ano Novo! - Diz-se
E é imperativo acreditar
Na fronteira entre o que era
E o que vai ser
Na mornidão amarga das jornadas
São foguetes e arraiais no céu
São gritos de júbilo
E euforia nas praças
São restos de espumante e melodias
Que as gentes adormecem na madrugada
E se no dia primeiro, do ano que há-de ser
O sol vier inundar o ar de alegria
Parece que tudo nos faz crer
Na promessa da mudança
Na desejada Bem-Aventurança
Por que rezámos ou não
Ao jeito das nossas múltiplas confissões
Mas, se não vestirmos os nossos gestos
De outros modos
Se não vivermos as horas
Com um brilho de força renovada
Permaneceremos presas assustadas
Na teia cinzenta dos nossos dias
Ana Wiesenberger
01-01-2013
Imagem – Pedro César Teles
Feliz Natal, Senhores Governantes!
Espero que se sentem à mesa em harmonia
Enquanto a discórdia feita de miséria
É o quotidiano de muitos de nós
Feliz Natal, Senhores Governantes!
Espero que se sentem à mesa
Felizes pela companhia
Enquanto a dor alastra nas famílias
Em que um membro pôs termo à vida
Vítima da faca aguçada das vossas medidas
Feliz Natal, Senhores Governantes!
Espero que se sentem à mesa
De rostos afogueados pelo calor da sala
Enquanto as ruas estão apinhadas de sem-abrigo
E muitos já as adivinham como próximo destino
Feliz Natal, Senhores Governantes!
Espero que se sentem à mesa
De narinas exaltadas pelos vapores da gastronomia
Enquanto os Portugueses medem as fatias e as colheradas
Da consoada que as mães e as esposas conseguiram reunir
A medo
Feliz Natal, Senhores Governantes!
Espero que se sentem à mesa
De olhos cheios pela alegria das vossas crianças
Que desembrulham presentes em abundância
Enquanto as outras se conformam com a ausência
Talvez tivessem vivido acima das suas possibilidades
Comportaram-se mal e agora o Pai Natal castigou-as
Feliz Natal, Senhores Governantes!
Que a ceia vos saiba a sangue e a morte
Que os manjares copiosos deglutidos
Vos dêem nos pesadelos
A premonição do vosso fim que chegará
Ana Wiesenberger
15-12-2013
Imagem - tirada do google
Vejo-me como um velho escaravelho Consumido pela demência e pelo abandono Que teima em continuar a empurrar Uma bola imensa de excrementos Que ainda sente útil, mas já não o será Como se o dia fosse meta E a noite margem Como se algures estivesse sempre a alvorecer E os olhos vendados por forças obscuras Não lograssem atingir a claridade Como se atrás de si só houvesse Uma poeira indefinível E diante de si Um emaranhado impenetrável Um labirinto de chamamentos falsos Ecos dos pântanos onde almas confusas pereceram E ele persegue no absurdo da caverna Talvez saiba que são apenas sombras Mas não há mais nada É preciso fingir para acreditar Ana Wiesenberger 15-12-2013 Imagem - Max Klinger
Pai,
Os meus pulsos nunca ficaram fortes
Mas não te vou desiludir, descansa
Tenho a alma salpicada de marcas puras de leopardo
E os meus olhos míopes vêem tão bem como as águias
Pai,
Às vezes, receio inspirar a força do dia
Mas depois, a brisa vem
E faz-me adivinhar os murmúrios das folhas
Pai,
A solidão das promessas por cumprir
Abre feridas na minha pele
Mas eu não tenho medo
Hei-de hastear as minhas bandeiras bem alto
Sofrer a tortura do escárnio
Aguentar a indiferença, a má vontade
Dos que não querem pensar
Pai,
Quando eu perder a força e me esvair de mim,
Por favor, estende os teus braços para me amparar
Na angústia da queda, que não desejo
Só os que são esquecidos
Morrem verdadeiramente
Ana Wiesenberger
Imagem - fotografia do meu pai