O vazio prolonga as horas Estica os minutos em não-ser Não-estar, não-ver, não-sentir
Se ao menos, ao acender uma vela Comunicasse a vontade de luz Orientação numa escuridão medonha Que me atormenta Incompreensível para um ser da noite
O que paira sobre mim é a dor Os dentes aguçados do que não quero Assumir ou compreender
Sempre quis inventar caminhos Sempre fiz trilhos, vias abertas E agora pareço um morcego embriagado De estranheza A embater nas esquinas dos muros Esquecido de um radar ancestral Que lhe daria a paz dos percursos Conhecidos, apetecidos
Amanhã permanecerá ainda O grito contido, estrangulado Desabituado de habitar a garganta
Fazem-me falta as vossas vozes poéticas O Eco das palavras debitadas A formar círculos dentro de nós Como se fôssemos lago e os poemas Pedrinhas traquinas lançadas Pela inocência em busca de sentido
Fazem-me falta os momentos de inquietude Os nossos nomes que alguém diz ao microfone Para nos chamar a uma ribalta Só concebida nos nossos sonhos-águia Porque na realidade é só um cantinho do bar Onde a esperança de sermos ouvidos e compreendidos Nos dá força para elevarmos os nossos registos Numa oração partilhada
Fazem-me falta os minutos ansiosos Antes da chegada aos locais Os do regresso, também, em que satisfeitos A alma respira uma harmonia benfazeja Por entre o cansaço dos músculos Que os nervos vergaram para dar corpo À mensagem, ao mistério do verbo sempre renovado Sempre reconstruído e singular Para servir a convulsão dos sentimentos A balbúrdia dos caminhos A bússola das horas vividas intercaladas Com o fio onírico do tempo subjectivo Que nos sustém
Há dias em que se ouvem gritos E portas a bater na casa da esquina Há dias em que se ouvem gritos E portas a bater na casa ao lado
Cada uma delas respeita a vez E não se põe à janela ou no jardim Para escutar melhor a ira da outra
Em vez disso, compreendem-se Em períodos de tréguas mútuas Quando se vêem, acenam-se Com sorrisos cúmplices Do alto dos seus casamentos Sólidos, pequeno-burgueses E sabem que um dia Os netos de uma e outra Saltitarão felizes nos relvados anexos E os avôs partilharão segredos de sucesso Para o churrasco de Verão Num convívio de amigos
No bosque onde as árvores altas Me fazem esquecer os muros da cidade Diluo o meu medo dos dias E encho o peito de cheiros melodiosos Feitos de resina e verde de vida
Detenho os olhos na imensidão de pinhas Espalhadas pelo solo - tão pequeninas E sinto a saudade das irmãs delas Que, agora, me parecem enormes Expoentes do sul da Europa Marcas do país que trago comigo
A dor explode, mas não permanece Um bailado de borboletas enleva-me Em oração - um sentimento de gratidão Profunda Pelo ar que respiro Pela centelha de energia que habita em mim Pela beleza da natureza que me envolve Pelo mistério do tempo que as horas encerram E tal como as marés Levam e trazem significados Que só as mentes abertas Conseguem descodificar - sentir
E depois, já mais leve Dirijo os meus passos para casa A entreter no coração desejos de liberdade Fecho os olhos por um minuto E já não sou mulher O lobo que me sustém afasta-se, gracioso E une-se à paisagem