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querotrazerapoesiaparaarua

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A Harmonia, O Bem-estar Residem Nestes Momentos

Diana Grigore

A harmonia, o bem-estar residem nestes momentos
Em que juntas partilhamos o calor da cama
E a certeza de estarmos onde queríamos estar
Sem mais nada desejar

 

O inverno não entra nos nossos corações
Quando nos aninhamos por entre os cobertores
E só o ar que entra pela janela entreaberta
Perturba o nosso recolhimento com o ruído alheio

 

Elas dormitam, olham-me, recebem festas minhas
Eu bebo café, fumo e preparo mentalmente o dia
Antes de o agarrar com a determinação de quem sabe
Que o tempo é uma dádiva esquiva

 

Mas enquanto me sentir una e acompanhada
Pela ternura dos meus filhos de duas e quatro patas
Pela amizade dos meus amigos reais e virtuais
Cada jornada é uma promessa de fé
Que vou conseguir realizar

 

E quando já não o puder fazer
E as horas passarem por mim
Baças, sem sentido e sem rumo
Viajarei através da memória
A este e outros redutos
Da felicidade que vivi

 

Ana Wiesenberger
23-10-2014

Imagem - Diana Grigore

 

 

São As Pequenas Coisas

Ray Caesar - Consort

São as pequenas coisas
Os gestos simples
Que nos nutrem a alma

A frescura da água
No nosso rosto pela manhã
O conforto do roupão depois do duche
O cheiro do café a inundar a casa
A anunciar o início de mais um dia

São os sorrisos dos colegas, dos amigos
Um bom-dia afectuoso que ouvimos
Um comentário que nos faz sentir pertença
Uma pergunta íntima e não retórica
A inquirir, se estamos bem

O sabor dos alimentos à hora da refeição
O quente e o frio a espalhar sensações
Na nossa boca, no nosso corpo
A sede que se mitiga com a facilidade
De um copo diante de nós
A algazarra da família em redor da mesa
As vozes díspares e contudo, unas
De quem respira um quotidiano partilhado
De anseios e preocupações
De encontros e desencontros
Lá fora, do lado de lá da porta

E a paz do recolhimento ao cair da noite
Ao fecho de mais uma jornada
As boas-noites, os bons sonhos
Que mutuamente se desejam
A tranquilidade das pálpebras que descem
Rendidas à melodia do sono

Ana Wiesenberger
23-10-2014

Imagem - Ray Caesar

 

Ansiedade

 

O peito é um sapo a arfar
O suor aflora-me as têmporas e a nuca
A náusea instala-se, firme

 

Corro os olhos pelos objectos em redor
Mas nenhum me arrasta desta aflição
Tombo os pensamentos pelos rostos familiares
Não me ocorre alívio

 

Desabo para o ecrã do PC sem saber porquê
Desenrolo o Mail sem interesse:
Jornais que não quero ler,
Junk bem-intencionada, dos amigos
Que julgam ser

 

Apetecia-me clickar a palavra HELP
E fazê-la deslizar pela W.W.W.
À procura de consolo
Mas a memória diz-me
Que já o fiz antes;
Apareceram-me linhas de ajuda específicas
Baralharam-me o sofrimento
Em secções informatizadas

 

É melhor sair para o parque
Ao encontro das árvores
E fundir-me nos cheiros e nas cores
Delicadamente, pousada num banco.

 

Ana Wiesenberger (in IDADES)

Imagem - Parque de Vanicelos em Setúbal

 

 

 

Andam Figuras Altivas, Desconhecidas

Andam figuras altivas, desconhecidas
A passear dentro de mim

 

Os sentidos embotados fazem-me crer
Que não sei, para onde ir
Ou o que fazer

 

Tacteio possibilidades no escuro da minha mente
Mas não vislumbro nada além dos pirilampos psicadélicos
Dos rostos que perdi

 

As árvores oscilam e dobram-se sobre mim
Numa carícia de orvalho fraco de Verão

 

Queria ler
Não consigo
Tenho um caldeirão cheio de palavras
A fervilhar no meu sangue

 

A tarde vem e não vem
E eu quero ir com ela
Para junto do mar

 

Porque receio ir, então?
Se anseio por mergulhar na água fria
E de facto, só é Outono no calendário

 

É talvez a vontade envergonhada de seguir
Pela estrada azul, esverdeada
Sempre a direito
Até ao meu castelo ditoso
De menina do mar

 

Ana Wiesenberger
29-09-2009

Imagem – Edmund Dulac

 

A Ausência do Mar-pátria

A ausência do mar-pátria
Desata em mim miríades de delírios
Um estar por aqui e já não estar
Um quase querer abandonar a vida
Por não poder respirar

 

A alma confinada nesta saudade imensa
Sarcófago onde adoece a esperança
Corredor lúgubre e infinito
Que me faz acreditar não haver luz
Para banhar os meus sentidos

 

Erro os olhos à volta
E nada vejo que os prenda
Adoeço presa de ecos e visões absurdas
Como se por detrás das minhas pupilas
Vivessem postais ilustrados de cores berrantes
A imporem etiquetas a eito em paisagens
Como se uma cidade, um rio, um país
Fosse aquilo
E a minha capacidade de sonhar
Estivesse amortalhada pela lente do medo
De saber-se prisioneira de um tempo mudo
Sem contornos, sem prenúncio de beleza
Um arco-íris a acontecer numa gravura
De uma infância há muito vivida
Talvez, lamentavelmente nunca esquecida
Um desejo de retocar molduras do passado
Com o sangue do sacrifício de um presente
Sempre adiado, cada vez mais irreal
Como uma vida passada
Que se pensa ter vivido
Dimensão suspensa de uma Atlântida renovada
Em anéis enfeitiçados por um Deus louco
Por lágrimas humanas

 

Ana Wiesenberger (in Corredores)
29-08-2014

Imagem - Max klinger

 

 

Ontem à Noite Adormeci

Ontem à noite adormeci
Vencida pelo cansaço do dia
E traí a chuva de letras
Que jorrava em mim
Uma sede de papel por abarcar

 

Hoje, quando acordei
Perturbada pela culpa
Esquadrinhei os cantos da mente
Mas elas são caprichosas
E castigaram-me com silêncio

 

Não se escreve porque se gosta
Escreve-se porque só assim se é
No entanto, parece-me em rigor
Que o poeta não é senhor
Mas sim, servidor do verbo
Como se apenas tivesse sido escolhido
Mão humilde e atenta
Perante a exuberância dos ecos
Que em si moram

 

Ana Wiesenberger (in Corredores)
05-10-2014

Imagem - Remedios Varo

 

Portugal Pequenino

Portugal pequenino
Minha sereia comprometida
Na dualidade das serras e do oceano
No linguarejar cantado de uns
Arrastado de outros
De erres pronunciados
De vogais finais inaudíveis
De redes de pesca
Mescladas de bois potentes
Na lavoura de outros dias
Intervalada por serões
De Xailes negros
E mulheres feiticeiras
A carregarem a noite
Nas traves do Fado

 

Portugal pequenino
Das naus corajosas a descobrirem
Horizontes
Dos sonhos de grandeza em terras
De Além-Mar
Das vozes viúvas, órfãs de fé
Em cais de angústia
Dos filhos, dos maridos
Que um regime exilou
Das procissões imensas a alumiarem
As ruas com velas de promessas
Das conversas à margem da lei
Nos cantos nem sempre livres dos cafés
Dos livros passados em segredo
De mão em mão
Dos encontros clandestinos
A tecerem manobras de construção
De uma liberdade nova
Para um povo amordaçado

 

E o destino cumpriu-se
E sonhámos ser asas
Pão, educação para todos
Dignidade e paz
Mas sossegámos demais
Confiámos, inocentes
Que o rumo permaneceria
E não vimos os sinais
Deixámos que os filhos
E os netos dos algozes do passado
Se infiltrassem nas malhas da democracia
Que se emparceirassem com os seus iguais
Para minar as nossas vidas
Nos meandros da economia
Nas parcelas do poder
Roubadas sob a nossa desatenção
A nossa apatia
A nossa vontade de acreditar
Que Abril fluiria sempre

 

E agora, meu Portugal pequenino
Voltámos a chorar a ausência
Dos nossos descendentes que emigram
A dor de não sabermos como pagar
As nossas contas
A tristeza de vermos a nossa soberania
Refém de sentenças estrangeiras
A raiva de nos sentirmos assolados
Por uma corrupção a que a justiça
Não põe cobro

 

Portugal, meu Portugal pequenino
É urgente que as tuas gentes inundem as Praças
Que os nossos gritos sejam farpas
Que o nosso hino traje de novo
A transparência desejada
O fim dos conluios que nos arruínam
A solidez da veracidade nos caminhos

 

Ana Wiesenberger (in Portugal, Meu Amor e Antologia 40 Anos, 40 Poemas)
28-07-2013

 

 

Ser Professor

Ser professor
É saber olhar e ver
Na paleta dos rostos na sala de aula
As cores a articular
Na construção da ponte para o diálogo
Entre o saber a transmitir
E a vontade individual de reter
Aprender a aprender
Suscitar o ensejo no outro
De descobrir um mundo novo
De factos, meios e modos de ver a realidade
De comunicar ideias e paisagens interiores
Ou não

 

Ser professor
É saber planear e calcular
Equações de espaço e tempo
Cansaço, desatenção e monotonia
E procurar vencer no quotidiano
A batalha das horas que não chegam
Dos recursos que escasseiam
Para ajudar a Ser
Jovens na encruzilhada das emoções
Na leveza do querer esvoaçante
Como uma bandeira ao vento
Num mastro suportado por pares e familiares
Que a idade há-de derrubar ou fortalecer
Para realizar a explosão do Eu

 

Ser professor
É saber olhar e ver
Nos semblantes alinhados diante de si
Os que mais precisam de respostas, de perguntas
Ou somente de uma mão sobre os ombros
De um sorriso de cumplicidade, de compreensão
Ou de ouvidos atentos num canto da escola


Ser professor
É saber olhar e ver
E combater no dia-a-dia a incerteza de ter sido justo
De ter dado corpo às estratégias adequadas
De ter estado vigilante
De ter agido em conformidade
De ter sido não só cérebro, mas coração
Para poder adormecer, conciliado
Pronto para a jornada do amanhã

 

Ana Wiesenberger
05-10-2014

Imagem - James Cowie

As Memórias Mais Doces Que Me Acompanham

 

As memórias mais doces que me acompanham
Têm bigodes hirtos e olhares profundos
Patas fofas desajeitadas ou leves como veludo

 

Com esses seres maravilhosos
Aprendi a proximidade
A partilha do tempo e das emoções
A suavidade da ternura natural
O calor da pertença
Que ergue o muro contra a solidão

 

Ao longo dos anos vivi despedidas dolorosas
Focinhos que segurei entre as minhas mãos
Molhados com a angústia das minhas lágrimas
Mas continuei a aventura do amor
Nos que se sucederam
Que fui encontrando pelo caminho

 

E hoje, sinto-me profundamente grata
Por a vida me ter dado a capacidade
De ser mãe, não apenas na minha espécie
Mas também de alguns filhotes de pêlo
Abandonados pelos humanos infames
Desprovidos da essência do amor
Imolados à compulsão do Ter
Em vez do Ser

 

O Dia Internacional do Animal
Não pode ser só a 4 de Outubro
Abramos as mentes dormentes
De cálculo e esterilidade
Façamos de novo o milagre da criação
Em cada dia
Em cada rosto
Um mundo novo de respeito e Amor

 

Ana Wiesenberger
04-10-2014

Imagem - Franz Marc

 

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