A Mordaça Dos Dias Atordoa-me
A mordaça dos dias atordoa-me
Não escrevo; logo, não respiro
Não me reconheço nesta teia
Costumo habitar a outra
Reduto de sombras e fluxos
De pensamentos que voam
E não conhecem muros
Aqui os nós de tão concretos
Atam-me a vontade de ser
E sinto as horas penduradas
Num cabide abjecto, sem sentido
Se a única verdade de uma casa
Se reduz ao pó e à sujidade que a cobrem
Prefiro o exílio da minha caverna
Na margem do esquecimento sólido
Das exigências comezinhas e sórdidas
De um quotidiano sempre adiado
De tanta vozearia, tanto eco
A dar significância ao insignificante
Instalou-se em mim uma surdez pálida
Um estar sem ser - filtro desesperado
Madeiro do espírito náufrago empenhado
Em salvar o que em si vive e murmura
Cerro portas e janelas
Corro fechos, isolo frechas
E sucumbo à convicção da vacuidade dos meus gestos
A promiscuidade da arquitectura urbana não permite
Saborear o sossego, abarcar tranquilidade
Terei de partir mais uma vez
Ana Wiesenberger
30-01-2015
Imagem - Samuel Van Hoogstraten