De Como Tão Contrário A Si
De como tão contrário a si
Pode ser o amor
Escreveu Camões com intemporal lucidez
O fogo que arde sem se ver
Deixa muita cinza pelos cantos
Palidez e frio nos dias
Morte assumida nos braços caídos
Já sem préstimo para ósculos e enlaces
A triste madrugada da partida
Repete-se ao longo das páginas do calendário
Nos pares, que de formosos e não seguros
Já nada resta
E se o amador na coisa amada se transformou
Perdeu a pena e o rumo
Dos olhos cor de limão que julgava bom porto
Só o travo amargo lhe enche o copo das horas
O tempo traz consigo inevitavelmente
As mudanças da vontade e da consciência
E esgotadas as novas artes, novo engenho para buscar
Fica apenas o colo pleno de esperança amarrotada e vã
Um não sei quê, que nasce não sei onde
E mesmo, quando até se sabe o porquê
Dói como um perene desconcerto
Ana Wiesenberger (in Corredores)
16-06-2015
Imagem – Vladimir Kush