Por dentro do muro das horas Só os livros me libertam E acariciam-me o estar num diálogo permanente
Há aqueles com que desperto de manhã E os que me embalam o corpo até ao sono Há os que me animam na hora do cansaço crepuscular E abafam com as suas páginas sempre certas As dúvidas, a incerteza de ter vivido o dia
Gosto de me envolver com as vozes de uma Rússia feudal Com a contenção preconceituosa de uma Inglaterra do século XIX Com a inquietação intelectual de Paris na primeira metade do século XX E com a magia dos contos para a infância da Alemanha ou da Dinamarca
E depois converso com o meu companheiro de route de todas as estações e idades Com quem, todavia, não pude partilhar a mesa no Martinho da Arcada de outros tempos E rimos juntos do absurdo teatral das nossas vidas impregnadas de palavras Torturadas numa busca incessante do verbo que em nós mora e onde reside A nossa única forma de ser
3 graus lá fora, mas há sol Amanhã já não será assim, dizem Regressaremos à cinzentez da invernia Com uma promessa de neve Que se realizará ou não
As saudades do meu país misturam-se em mim Com as saudades de um sol companheiro É difícil atravessar a opacidade dos dias Num contínuo de ausência e depressão
Quando a dor se faz inércia Já nem a proximidade da tinta e do papel Nos convidam a ser Passeiam-se os olhos inquietos e contudo, mortos Ou adiados num sentir alheio Consentimento de horas sem sentido Numa sala de espera onde não chega a nossa vez De onde não podemos sair
3 graus lá fora, mas há sol Talvez façamos um passeio diferente à tarde Talvez consigamos enlevar a alma prisioneira Acima dos passos rotineiros de quem só conhece Um pátio triste com uma frecha de céu Que de tão escasso, nos parece mentira