A vida é o salão de casino exuberante
Onde todos queremos ganhar
Amor, fama, riqueza, felicidade
Esse pássaro raro
Que alguns juram ter visto
E outros assumem como um mito
Passado de geração em geração
Para estabelecer um objectivo comum
Na disparidade das mentes
Jogamos sempre
E o balanço dos dias
Ora nos traz tristeza ou alegria
Proximidade ou distância
Do patamar onde queremos chegar
O tempo é uma gazela veloz
Que atravessa as estações das idades
E nos leva à presença do grande ceifeiro
Que em jeito de croupier nos diz
Faites vos jeux, mesdames et messieurs
E o terror só se apodera de nós
Ao vermos o movimento da roleta cessar
E a marca no nosso número ficar
Ana Wiesenberger
17-03-2017
Imagem – Edvard Munch
Já não sei, se sou o martelo
Que teima em se abater sobre o prego
Se o prego que entorta
Mas se recusa a entrar na madeira
Como dele, aliás, se esperava
São muitos os dias
As cores e os sons confundem-se
As normas são para ser quebradas
Às vezes?
Muitas vezes?
Nunca?
A arma do crime estava na sala
Mas ninguém a viu
Era um pequeno coração de ouro
Encerrado numa caixinha bege
Com o nome da ourivesaria
Que entretanto, já não existia
Falira sob o peso
De tantas juras de amor
Ana Wiesenberger
27-03-2017
Imagem – Paul Klee
A poesia é a água cristalina
Que jorra leve e livre
Da cascata do Eu recluso
Que em nós vive
A poesia é o grito
Feito de sombras e de fogo
De lágrimas retidas no silêncio
De mortalhas dos sonhos
Que em nós sepultámos
A poesia é Sol, luar
E também chuva
E murmúrio com maresia
Restolhar de folhas
Leque caprichoso
Com que o poeta
Nos deslumbra
Ao abrir e fechar
As emoções dentro de nós
Ana Wiesenberger
21-03-2017
Imagem – Raja Ravi Varma
Bom dia, Morte!
É altura de conversarmos;
Estou farta do teu cinismo
Do teu rosto fechado, impassível
Perante a merda das tuas escolhas
Mas, afinal, que raio de porra
Te passa pela caveira?
Tomas drogas? Bebes demais?
Ou és meramente negligente
Preguiçosa demais para pensar
Medir situações, avaliar?
A tua cegueira enfurece-me
Levas crianças, jovens
Gente de boa-fé
Que em nada prejudicou os demais
E deixas para trás criminosos
Que espalham sangue e dor
Que destroem e aniquilam
Lentamente ou de uma só vez
Tantos seres frágeis e inocentes
Estás a rir-te da minha audácia?
Não tenho medo dos teus ardis
Podes cortar o fio da minha respiração
De um só golpe
Mas nunca poderás apagar
As palavras que escrevi
Ana Wiesenberger
17-03-2017
Imagem – Vincent Van Gogh
Abro os olhos
Depois a janela
Sento-me na cama
Cigarro entre os dedos
Caneca de café na outra mão
E o trinar dos pássaros
Misturado com o ronco dos carros
Entra pelo quarto
Não quero perder os farrapos do sonho
Antes de os encaixar
De lhes dar sentido na moldura da realidade
Porque será assim?
Porque é quase sempre assim
Somos humanos, logo precisamos de descodificar as coisas
Para afastar o medo que o desconhecido nos causa
Não há nada a temer
A não ser as palavras
Li isto em qualquer lado
E ficou encravado em mim
Como um punhal
O puzzle por fazer volta a zumbir à minha volta
Que peças tão estranhas
E contudo, tão simples
Talvez, não o queira ordenar como um todo
Assumir como uma premonição
Parece-me, que prefiro afastá-lo
Com um gesto automático
De quem se defende de um ramo
Que nos pode ferir o rosto
Ao caminharmos por uma vereda no campo
As mesas redondas compostas com as crianças
O círculo da vida
Os desenhos infantis sempre renovados
Que a professora guarda no armário da sala
Porque o tempo é célere
E os petizes em breve deixam de o ser
Para dar lugar a outros
Pergunto à minha mãe quando e como morri
Ela não se lembra
Surpreende-me, que ela não se recorde
A lápide do cemitério surge num instante relâmpago
Para logo desaparecer, como se brincasse às escondidas
Só consegui ver o início do meu nome
Entretanto tu sorris
Encostas a tua cabeça à minha
Dizes-te cansado
E eu corroboro o teu cansaço com o meu
Mas não deixamos de sorrir cúmplices
No teu olhar a vivacidade saudável
De quando éramos jovens
Antes do teu cancro
Antes da minha doença absurda
Há um quiosque onde compro
Queijo fresco muito branco
E o homem que me atende
Fala sobre os delírios de viver
Naquela cidade da Alemanha
Contraponho, que sim
Mas não durante muito tempo
A conta é avultada
Pago em moedas e dois isqueiros
Um por ti; outro por mim, já se vê
Ambos fizemos o percurso
Para o abraço do urso branco
Em anos de fumo e fantasia
Não quero, que te despeças de mim
Não quero, despedir-me de ti
Fiquemos, mais um pouco
Por aqui
Ana Wiesenberger
13-03-2017
Imagem – Frederic Edwin Church
É tão bom disparatar
E com as ideias e as palavras brincar
Como se a loucura fosse uma blusa
Linda de se usar
Para mais tarde, se cansar
Com severa racionalidade lavar
É tão bom entre o delírio das nuvens saltar
E muros de paciência e bom senso galgar
Como se fôssemos meninos e meninas
À vida a brincar
E pudéssemos em espasmos de riso
Sobre a relva rebolar
E o dia na banheira com patos de borracha
E o cuidado das mãos das nossas mães acabar
É tão bom doidejar
Sem ter o nonsense como base para se agarrar
Porque para algo se justificar
Já é querer o bom juízo não dispensar
E a brincadeira toda estragar
É tão bom além de nós passear
E o tempo longe da casca degustar
Os nossos medos e os nossos males
Numa cova enterrar
E assim, da prisão da tristeza se libertar
Ana Wiesenberger
05-03-2017
Imagem – David Cory