O Passado É Um País Estranho
O passado é um país estranhoAlguém escreveu
Talvez, por isso, eu me veja tão distante
Nos dias idos, que foram meus
E no entanto, dobram no meu reconhecimento
Folhas de credibilidade em erupção
Os olhos eram tão vivos
Tão resplandecentes de luz
De emoção
Os gestos eram vestidos de uma força
De uma intenção
De uma cor
Que já não vejo
Quem era aquela miúda sorridente
No triciclo a sulcar as horas
Com a irmã ao lado
Ambas tão entregues à luz da tarde
Ao conforto de saber
Que a noite é só o que sucede ao dia
E abre nas camas fofas
A vontade de fechar as pálpebras
E sonhar
Quem era aquela adolescente
A explodir as horas em fagulhas
De ideias, de ideais, de dúvidas
E caminhos apetecidos
Quem era aquela jovem mulher
Segura e caprichosa nas curvas dos momentos
A enrolar o fio das atenções, selectiva
Com a naturalidade de quem separa os morangos perfeitos
Dos que apodreceram
Ou não têm sabor
O passado é um país estranho
Que nos devemos coibir de visitar
Se queremos viver o presente
Com a coragem de sabermos
Que o tempo flui
E não se agarra
E o espelho é uma dimensão líquida
E traiçoeira como um lago
Coberto de musgo cremoso
Em que não devemos mergulhar
Ana Wiesenberger
17-03-2013
Imagem - Henri-de-Toulouse-Lautrec
