Ao Deambular Por Sesimbra
Ao deambular por Sesimbra invade-me
A estranheza de ter entrado numa casa de espelhos
Esforço-me por não olhar em redor
Concentrar-me no momento presente
Todavia, é quase impossível ignorar
A unidade fragmentada
Oiço-me adolescente por entre a família
A atrasar o pedido do almoço no restaurante
Por não gostar de comer isto ou aquilo
Ou a perguntar detalhes quase absurdos
Sobre o modo de confecção dos pratos
Vejo-me a respirar uma juventude
Conscientemente rebelde e sedutora
Entregue à dança sob os reflexos cromados
Do tecto da discoteca
E depois, ainda a outra, já mulher
Ao jugo da carreira e da maternidade submetida
A tentar conciliar a obediência à responsabilidade
E a liberdade interior
A sentir o sonho afastar-se devagarinho
E por isso, quando aqui estou
Passo por mim em cada canto
Suporto paciente o peso da dor
Vivo o crime e a automutilação da alma, do ser
Já sem revolta, só tristeza feita de xaile à beira-mar
Num cais que outrora devia ter abandonado
Ana Wiesenberger
04-04-2014
Imagem - Lauro Corado