Escrevo Perante O Rosto da Noite
Escrevo perante o rosto da noite
Num hotel que de tão familiar
Me faz crescer em estranheza
Escrevo à luz do cansaço saudável dele
Que lhe permite dormir sem químicos
Virgem ao mundo dos fármacos
Em que os outros existem em On e Off
Escrevo na companhia do vinho tinto do copo
Que felizmente me dobra a loucura
Me afaga a solidão
E me diz, que devia encostar a cabeça à almofada
Como se eu fosse um cabritinho jovem e desajeitado
A quem a mãe explica a necessidade de descansar
No verde da planície para aguentar a jornada de amanhã
Escrevo na voragem dos que não têm companhia
Mas se fingem acompanhados pelas páginas dos outros
A que se agarram, desesperados de mitigar a sede endémica
Do deserto fabricado com a ausência consentida ao longo dos anos
Em que se afastaram dos demais
Este é o murmúrio das horas paradas
O rebuliço invisível do pântano
Em que os nenúfares moribundos
Nos pedem para calar os gritos de lodo
Esta é a noite que canta a uma só voz
A canção daqueles que por si ou por destino
São os desenraizados do bem-estar
Ana Wiesenberger
10-04-2015
Imagem - Edvard Munch