Naquele Verão Aprendi A Decifrar
Naquele Verão aprendi a decifrar
Os cheiros da terra e do mar
Por entre as crinas dos cavalos
Que nos aproximaram
Dedicação profunda ou missão
Cuidar e fazer cuidar
Dos que não são amados
Respeitados como deveriam ser
Eu entrava dentro dos teus olhos de árvore
Como quem se embrenha num bosque
Onde tudo é vida
Onde nada é supérfluo
Onde tudo faz sentido
A inconveniência social a barrar-nos o caminho
Foi derrubada como quem destrói um dique
Que inviabiliza a irrigação de terras úteis
E ficámos um perante o outro num Outono de promessa
Que julgáramos poder cumprir
Quando me abraçavas
Sentia remoinhos de folhas, ouriços
Esquilos irrequietos a galgarem troncos
Uivos de uma alcateia desconhecida
Que desorientavam e venciam a minha racionalidade
Como detrito dos dias vazios
A que punham fim
Os nossos corpos procuravam-se
Fundiam-se num oceano de fome
Inesgotável, absoluta
E as horas da ausência eram cactos
Que cravavam na nossa pele
A urgência de estarmos juntos
Mas o Amor dos Deuses
Não está ao alcance dos mortais
Mordisca a nossa existência
Apenas com a crueldade
De abrir em nós a convicção
Da imperfeição das nossas vidas
Dos nossos laços
E por isso, como sempre está destinado a acontecer
Psiqué derramou, descuidada
Uma gota de cera quente nas asas lindas de Cupido
E ele desapareceu logo de cena
Ana Wiesenberger (in Erotismus, Impulsos E Apelos vol.II)
Imagem: Zita Vitorino