Por dentro do muro das horas
Por dentro do muro das horas
Só os livros me libertam
E acariciam-me o estar num diálogo permanente
Há aqueles com que desperto de manhã
E os que me embalam o corpo até ao sono
Há os que me animam na hora do cansaço crepuscular
E abafam com as suas páginas sempre certas
As dúvidas, a incerteza de ter vivido o dia
Gosto de me envolver com as vozes de uma Rússia feudal
Com a contenção preconceituosa de uma Inglaterra do século XIX
Com a inquietação intelectual de Paris na primeira metade do século XX
E com a magia dos contos para a infância da Alemanha ou da Dinamarca
E depois converso com o meu companheiro de route de todas as estações e idades
Com quem, todavia, não pude partilhar a mesa no Martinho da Arcada de outros tempos
E rimos juntos do absurdo teatral das nossas vidas impregnadas de palavras
Torturadas numa busca incessante do verbo que em nós mora e onde reside
A nossa única forma de ser
Ana Wiesenberger
Fevereiro 2016
Imagem – Carl Vilhelm Holsoe