Eles são tantos E tão poucos Os silêncios que me abafam A vontade de ser Sol e Lua Tarde e Noite Verão entrelaçado da invernia mais glacial Alguma vez vivida
Eles são tantos E tão poucos Os dias assimilados no calendário Com uma fome frutífera
Eles são tantos E tão poucos Os anos que por nós deslizam Sem vermos E os outros que ainda virão Estradas bifurcadas, estranguladas Entre o que foi e poderia ter sido Iluminadas por um letreiro em que o Porvir É uma estreia sempre adiada Pelo presente que não conseguimos construir
Estava cansada e fui até ao país das Histórias de Encantar Mas saí de lá ainda mais desencantada A Bela Adormecida queixa-se de insónias constantes Enquanto o seu belo Príncipe de outrora Faz ecoar os seus roncos expressivos por todo o palácio
Ela, que até, se tinha congratulado Com a sorte de ser estéril Lamenta agora o vazio dos seus dias Se tivesse tido prole Poderia entreter-se a dar colo aos netos E a correr as tendas dos artesãos Em busca de brinquedos perfeitos
A beleza, ainda a conservara muito tempo Mas depois, a anorexia deu lugar à bulimia E arruinou a linha esbelta da sua figura
Na porta ao lado, a cena não era mais animadora A Gata Borralheira sofre paciente e triste As artroses e as poliartralgias Herança das sevícias domésticas da madrasta Que longos anos perduraram
Continua meiga e afável com todos Queixa-se ao de leve da viuvez E da vida atarefada dos filhos gémeos Que trabalham na Wall Street da Avenida das Fadas
Quando a saúde lhe permite, dá festas de caridade Ajuda órfãos e viúvas carenciadas Inaugurou há pouco uma Associação de Protecção Animal Nuns hectares baldios de que não precisava Coitadinha, ainda me deu um frasco de geleia e biscoitos caseiros Antes de eu franquear a porta de saída
A Alice sofre de neurastenia grave E da esquizofrenia, que já na infância se tornara evidente Todos os dias manda abrir buracos no chão do jardim Quer regressar ao País das Maravilhas que nunca devia ter abandonado Mas não se lembra onde era o túnel da entrada Todos sabem, que não há nada a fazer Os físicos mais célebres e afamados dos quatro cantos do mundo Vêm vê-la a pedido da família, mas não a conseguem tratar
O Patinho Feio, que afinal era um cisne Não aguentou os traumas de criança E é um alcoólico desesperado Sempre com o olhar no vazio A balbuciar por entre os dias Que ninguém o entende Antes ou depois de meter o bico na garrafa
O Gato das Botas, então Deixou-me dilacerada A gangrena instalou-se lhe há muito nas pernas Mas ele teima em viver assim até ao fim E a carne vai-lhe morrendo gradualmente sob o pêlo Enquanto ele delira sobre os seus feitos de outrora
Hansel e Gretel estão bem Pelo menos, um com o outro A comunidade não aceita a relação incestuosa Mas eles pareceram-me muito satisfeitos E vi-os sorrir, cúmplices Ao mostrarem-me a campa dos pais nas traseiras
Foram extremamente simpáticos E nem me queriam deixar partir Todavia, rebentaram em mim, ecos de psicologia Aos solavancos E ao apanhar o fio transversal das relações de causalidade Entre vítimas e agressores Julguei por avisado, afastar-me dali Antes que eles me começassem a encher a pança com assados Doces e iguarias mais