A harmonia, o bem-estar residem nestes momentos Em que juntas partilhamos o calor da cama E a certeza de estarmos onde queríamos estar Sem mais nada desejar
O inverno não entra nos nossos corações Quando nos aninhamos por entre os cobertores E só o ar que entra pela janela entreaberta Perturba o nosso recolhimento com o ruído alheio
Elas dormitam, olham-me, recebem festas minhas Eu bebo café, fumo e preparo mentalmente o dia Antes de o agarrar com a determinação de quem sabe Que o tempo é uma dádiva esquiva
Mas enquanto me sentir una e acompanhada Pela ternura dos meus filhos de duas e quatro patas Pela amizade dos meus amigos reais e virtuais Cada jornada é uma promessa de fé Que vou conseguir realizar
E quando já não o puder fazer E as horas passarem por mim Baças, sem sentido e sem rumo Viajarei através da memória A este e outros redutos Da felicidade que vivi
São as pequenas coisas Os gestos simples Que nos nutrem a alma
A frescura da água No nosso rosto pela manhã O conforto do roupão depois do duche O cheiro do café a inundar a casa A anunciar o início de mais um dia
São os sorrisos dos colegas, dos amigos Um bom-dia afectuoso que ouvimos Um comentário que nos faz sentir pertença Uma pergunta íntima e não retórica A inquirir, se estamos bem
O sabor dos alimentos à hora da refeição O quente e o frio a espalhar sensações Na nossa boca, no nosso corpo A sede que se mitiga com a facilidade De um copo diante de nós A algazarra da família em redor da mesa As vozes díspares e contudo, unas De quem respira um quotidiano partilhado De anseios e preocupações De encontros e desencontros Lá fora, do lado de lá da porta
E a paz do recolhimento ao cair da noite Ao fecho de mais uma jornada As boas-noites, os bons sonhos Que mutuamente se desejam A tranquilidade das pálpebras que descem Rendidas à melodia do sono
Entre patas e garras de amor Repousam meus afectos contínuos E enormes de ver
Entre focinhos e pêlos fofos Refugio o meu rosto do mundo Na hora do amor
Faz-me tanta falta o miar e o latir Que já não oiço Os dentinhos agudos, brincalhões A ameaçarem carinhosas proximidades À minha pele triste Num esboço de dentada Feito de ternura
A minha memória é uma galeria de cor E de cheiros Sepultados pelos caminhos que o tempo lavrou Todavia, mais reais que o ar que respiro Que me devia nutrir de capacidade Para amar este mundo imperfeito Em que tudo é o que não é E parece ser outra coisa ainda Que nem linda é
Obrigada, meus amigos de sempre, para sempre Por terem franqueado o cerro do vidro fosco Em que me tornei
Obrigada por não me permitirem fechar a porta Do ser, do sentir e do partilhar
Obrigada por me embalarem na harmonia Na sabedoria ancestral dos vossos gestos