Ontem à noite adormeci Vencida pelo cansaço do dia E traí a chuva de letras Que jorrava em mim Uma sede de papel por abarcar
Hoje, quando acordei Perturbada pela culpa Esquadrinhei os cantos da mente Mas elas são caprichosas E castigaram-me com silêncio
Não se escreve porque se gosta Escreve-se porque só assim se é No entanto, parece-me em rigor Que o poeta não é senhor Mas sim, servidor do verbo Como se apenas tivesse sido escolhido Mão humilde e atenta Perante a exuberância dos ecos Que em si moram
Fazem-me falta as vossas vozes poéticas O Eco das palavras debitadas A formar círculos dentro de nós Como se fôssemos lago e os poemas Pedrinhas traquinas lançadas Pela inocência em busca de sentido
Fazem-me falta os momentos de inquietude Os nossos nomes que alguém diz ao microfone Para nos chamar a uma ribalta Só concebida nos nossos sonhos-águia Porque na realidade é só um cantinho do bar Onde a esperança de sermos ouvidos e compreendidos Nos dá força para elevarmos os nossos registos Numa oração partilhada
Fazem-me falta os minutos ansiosos Antes da chegada aos locais Os do regresso, também, em que satisfeitos A alma respira uma harmonia benfazeja Por entre o cansaço dos músculos Que os nervos vergaram para dar corpo À mensagem, ao mistério do verbo sempre renovado Sempre reconstruído e singular Para servir a convulsão dos sentimentos A balbúrdia dos caminhos A bússola das horas vividas intercaladas Com o fio onírico do tempo subjectivo Que nos sustém