Electrão Protão Neutrão Campos magnéticos perdidos na memória Guardados no tempo das batas brancas E do cheiro químico do laboratório Que nos transmudava os ânimos em festa
Os convívios de sábado à tarde na cantina do liceu E as primeiras meias de senhora; nylon, cor de pérola A arranharem-me as pernas desajeitadas Sob a saia de xadrez que me roubava o à vontade
Esse foi o tempo maracujá do exótico da descoberta De que os opostos se atraem e os iguais se repelem Embora isso só nos transtorne a vida e o estar
Mais tarde, a época dos espelhos, das luzes E dos cromados das viaturas de duas e quatro rodas Em que partíamos numa realização de som e de fúria Que para tantos terminou em cinza
E agora, no tempo ameno dos lilases Balança-se tudo na arca das recordações E o início da jornada, o cheiro de baunilha do jardim-escola Entranhado nas minhas narinas de menina Já não me parece tão inócuo Porque, afinal, delineou o meu caminho até ti Talvez porque o cansaço de ser vermelho e preto Me levasse a procurar o rosa que abarcava todos os nossos caprichos E birras Sem nunca deixar de ser um regaço de ternura, um reduto de apaziguamento A caverna apetecida onde os nossos olhos viviam as aventuras coloridas Que passavam no ecrã gigante da alvura da parede na nossa sala de cinema
O peito é um sapo a arfar O suor aflora-me as têmporas e a nuca A náusea instala-se, firme
Corro os olhos pelos objectos em redor Mas nenhum me arrasta desta aflição Tombo os pensamentos pelos rostos familiares Não me ocorre alívio
Desabo para o ecrã do PC sem saber porquê Desenrolo o Mail sem interesse: Jornais que não quero ler, Junk bem-intencionada, dos amigos Que julgam ser
Apetecia-me clickar a palavra HELP E fazê-la deslizar pela W.W.W. À procura de consolo Mas a memória diz-me Que já o fiz antes; Apareceram-me linhas de ajuda específicas Baralharam-me o sofrimento Em secções informatizadas
É melhor sair para o parque Ao encontro das árvores E fundir-me nos cheiros e nas cores Delicadamente, pousada num banco.
Portugal pequenino Minha sereia comprometida Na dualidade das serras e do oceano No linguarejar cantado de uns Arrastado de outros De erres pronunciados De vogais finais inaudíveis De redes de pesca Mescladas de bois potentes Na lavoura de outros dias Intervalada por serões De Xailes negros E mulheres feiticeiras A carregarem a noite Nas traves do Fado
Portugal pequenino Das naus corajosas a descobrirem Horizontes Dos sonhos de grandeza em terras De Além-Mar Das vozes viúvas, órfãs de fé Em cais de angústia Dos filhos, dos maridos Que um regime exilou Das procissões imensas a alumiarem As ruas com velas de promessas Das conversas à margem da lei Nos cantos nem sempre livres dos cafés Dos livros passados em segredo De mão em mão Dos encontros clandestinos A tecerem manobras de construção De uma liberdade nova Para um povo amordaçado
E o destino cumpriu-se E sonhámos ser asas Pão, educação para todos Dignidade e paz Mas sossegámos demais Confiámos, inocentes Que o rumo permaneceria E não vimos os sinais Deixámos que os filhos E os netos dos algozes do passado Se infiltrassem nas malhas da democracia Que se emparceirassem com os seus iguais Para minar as nossas vidas Nos meandros da economia Nas parcelas do poder Roubadas sob a nossa desatenção A nossa apatia A nossa vontade de acreditar Que Abril fluiria sempre
E agora, meu Portugal pequenino Voltámos a chorar a ausência Dos nossos descendentes que emigram A dor de não sabermos como pagar As nossas contas A tristeza de vermos a nossa soberania Refém de sentenças estrangeiras A raiva de nos sentirmos assolados Por uma corrupção a que a justiça Não põe cobro
Portugal, meu Portugal pequenino É urgente que as tuas gentes inundem as Praças Que os nossos gritos sejam farpas Que o nosso hino traje de novo A transparência desejada O fim dos conluios que nos arruínam A solidez da veracidade nos caminhos
Ana Wiesenberger (in Portugal, Meu Amor e Antologia 40 Anos, 40 Poemas) 28-07-2013
As memórias mais doces que me acompanham Têm bigodes hirtos e olhares profundos Patas fofas desajeitadas ou leves como veludo
Com esses seres maravilhosos Aprendi a proximidade A partilha do tempo e das emoções A suavidade da ternura natural O calor da pertença Que ergue o muro contra a solidão
Ao longo dos anos vivi despedidas dolorosas Focinhos que segurei entre as minhas mãos Molhados com a angústia das minhas lágrimas Mas continuei a aventura do amor Nos que se sucederam Que fui encontrando pelo caminho
E hoje, sinto-me profundamente grata Por a vida me ter dado a capacidade De ser mãe, não apenas na minha espécie Mas também de alguns filhotes de pêlo Abandonados pelos humanos infames Desprovidos da essência do amor Imolados à compulsão do Ter Em vez do Ser
O Dia Internacional do Animal Não pode ser só a 4 de Outubro Abramos as mentes dormentes De cálculo e esterilidade Façamos de novo o milagre da criação Em cada dia Em cada rosto Um mundo novo de respeito e Amor