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querotrazerapoesiaparaarua

querotrazerapoesiaparaarua

Electrão

Jeremy Malvey

Electrão
Protão
Neutrão
Campos magnéticos perdidos na memória
Guardados no tempo das batas brancas
E do cheiro químico do laboratório
Que nos transmudava os ânimos em festa

 

Os convívios de sábado à tarde na cantina do liceu
E as primeiras meias de senhora; nylon, cor de pérola
A arranharem-me as pernas desajeitadas
Sob a saia de xadrez que me roubava o à vontade

 

Esse foi o tempo maracujá do exótico da descoberta
De que os opostos se atraem e os iguais se repelem
Embora isso só nos transtorne a vida e o estar

 

Mais tarde, a época dos espelhos, das luzes
E dos cromados das viaturas de duas e quatro rodas
Em que partíamos numa realização de som e de fúria
Que para tantos terminou em cinza

 

E agora, no tempo ameno dos lilases
Balança-se tudo na arca das recordações
E o início da jornada, o cheiro de baunilha do jardim-escola
Entranhado nas minhas narinas de menina
Já não me parece tão inócuo
Porque, afinal, delineou o meu caminho até ti
Talvez porque o cansaço de ser vermelho e preto
Me levasse a procurar o rosa que abarcava todos os nossos caprichos
E birras
Sem nunca deixar de ser um regaço de ternura, um reduto de apaziguamento
A caverna apetecida onde os nossos olhos viviam as aventuras coloridas
Que passavam no ecrã gigante da alvura da parede na nossa sala de cinema

 

Ana Wiesenberger
11-02-2015

Imagem - Jeremy Malvey

Ansiedade

 

O peito é um sapo a arfar
O suor aflora-me as têmporas e a nuca
A náusea instala-se, firme

 

Corro os olhos pelos objectos em redor
Mas nenhum me arrasta desta aflição
Tombo os pensamentos pelos rostos familiares
Não me ocorre alívio

 

Desabo para o ecrã do PC sem saber porquê
Desenrolo o Mail sem interesse:
Jornais que não quero ler,
Junk bem-intencionada, dos amigos
Que julgam ser

 

Apetecia-me clickar a palavra HELP
E fazê-la deslizar pela W.W.W.
À procura de consolo
Mas a memória diz-me
Que já o fiz antes;
Apareceram-me linhas de ajuda específicas
Baralharam-me o sofrimento
Em secções informatizadas

 

É melhor sair para o parque
Ao encontro das árvores
E fundir-me nos cheiros e nas cores
Delicadamente, pousada num banco.

 

Ana Wiesenberger (in IDADES)

Imagem - Parque de Vanicelos em Setúbal

 

 

 

Portugal Pequenino

Portugal pequenino
Minha sereia comprometida
Na dualidade das serras e do oceano
No linguarejar cantado de uns
Arrastado de outros
De erres pronunciados
De vogais finais inaudíveis
De redes de pesca
Mescladas de bois potentes
Na lavoura de outros dias
Intervalada por serões
De Xailes negros
E mulheres feiticeiras
A carregarem a noite
Nas traves do Fado

 

Portugal pequenino
Das naus corajosas a descobrirem
Horizontes
Dos sonhos de grandeza em terras
De Além-Mar
Das vozes viúvas, órfãs de fé
Em cais de angústia
Dos filhos, dos maridos
Que um regime exilou
Das procissões imensas a alumiarem
As ruas com velas de promessas
Das conversas à margem da lei
Nos cantos nem sempre livres dos cafés
Dos livros passados em segredo
De mão em mão
Dos encontros clandestinos
A tecerem manobras de construção
De uma liberdade nova
Para um povo amordaçado

 

E o destino cumpriu-se
E sonhámos ser asas
Pão, educação para todos
Dignidade e paz
Mas sossegámos demais
Confiámos, inocentes
Que o rumo permaneceria
E não vimos os sinais
Deixámos que os filhos
E os netos dos algozes do passado
Se infiltrassem nas malhas da democracia
Que se emparceirassem com os seus iguais
Para minar as nossas vidas
Nos meandros da economia
Nas parcelas do poder
Roubadas sob a nossa desatenção
A nossa apatia
A nossa vontade de acreditar
Que Abril fluiria sempre

 

E agora, meu Portugal pequenino
Voltámos a chorar a ausência
Dos nossos descendentes que emigram
A dor de não sabermos como pagar
As nossas contas
A tristeza de vermos a nossa soberania
Refém de sentenças estrangeiras
A raiva de nos sentirmos assolados
Por uma corrupção a que a justiça
Não põe cobro

 

Portugal, meu Portugal pequenino
É urgente que as tuas gentes inundem as Praças
Que os nossos gritos sejam farpas
Que o nosso hino traje de novo
A transparência desejada
O fim dos conluios que nos arruínam
A solidez da veracidade nos caminhos

 

Ana Wiesenberger (in Portugal, Meu Amor e Antologia 40 Anos, 40 Poemas)
28-07-2013

 

 

As Memórias Mais Doces Que Me Acompanham

 

As memórias mais doces que me acompanham
Têm bigodes hirtos e olhares profundos
Patas fofas desajeitadas ou leves como veludo

 

Com esses seres maravilhosos
Aprendi a proximidade
A partilha do tempo e das emoções
A suavidade da ternura natural
O calor da pertença
Que ergue o muro contra a solidão

 

Ao longo dos anos vivi despedidas dolorosas
Focinhos que segurei entre as minhas mãos
Molhados com a angústia das minhas lágrimas
Mas continuei a aventura do amor
Nos que se sucederam
Que fui encontrando pelo caminho

 

E hoje, sinto-me profundamente grata
Por a vida me ter dado a capacidade
De ser mãe, não apenas na minha espécie
Mas também de alguns filhotes de pêlo
Abandonados pelos humanos infames
Desprovidos da essência do amor
Imolados à compulsão do Ter
Em vez do Ser

 

O Dia Internacional do Animal
Não pode ser só a 4 de Outubro
Abramos as mentes dormentes
De cálculo e esterilidade
Façamos de novo o milagre da criação
Em cada dia
Em cada rosto
Um mundo novo de respeito e Amor

 

Ana Wiesenberger
04-10-2014

Imagem - Franz Marc

 

Não Consigo Entrever A Minha Vida

Pedro César Teles

Não consigo entrever a minha vida

Por entre os cortinados das horas

Quanto mais os abro, mais se cerram

Diante dos meus olhos incrédulos

Traição massiva do que sempre fui

Do que sempre quis

 

A penumbra instala-se intrusiva

Como se já não houvesse sol

Ou as nuvens vingadoras

O tivessem aprisionado

 

Das portas, nem sombras

Uma ilusão de chaves por alcançar

Num deserto de exaustão e desesperança

 

Todavia, permanece em mim a convicção

De que o gelo não mata

Apenas adormece a paisagem

Para lhe conter a beleza

Para fundir em si a ponte

Aparentemente intransponível

Entre o princípio e o fim

 

Ana Wiesenberger (in Corredores)

30-09-2014

Imagem - Pedro César Teles

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