Nunca gravei as minhas iniciais Com as de outrem Num coração tosco Num tronco de árvore do jardim
Nunca o fiz também Nas carteiras de madeira da escola Daquele tempo Talvez nunca sentisse vontade De associar o meu nome a outro nome Como se soubesse de antemão Que tal nunca faria sentido
Vivi, antes, como uma árvore Que cresce em ramos Ao Longo das sucessivas Primaveras Que em si a força encerra
Expandi-me num processo de integração consentida Sem perder a identidade Acrescentei, apenas, à minha existência os eleitos Um filho, um marido, vários seres lindos de quatro patas Em que consigo ver o meu rosto oculto
E assim, perturba-me, por vezes A facilidade com que as pessoas se colam umas às outras Nu ma fúria desmesurada de criar sentido na ausência dele Da construção de um espanta-espíritos débil Para fazer face à morte – ao fim
Electrão Protão Neutrão Campos magnéticos perdidos na memória Guardados no tempo das batas brancas E do cheiro químico do laboratório Que nos transmudava os ânimos em festa
Os convívios de sábado à tarde na cantina do liceu E as primeiras meias de senhora; nylon, cor de pérola A arranharem-me as pernas desajeitadas Sob a saia de xadrez que me roubava o à vontade
Esse foi o tempo maracujá do exótico da descoberta De que os opostos se atraem e os iguais se repelem Embora isso só nos transtorne a vida e o estar
Mais tarde, a época dos espelhos, das luzes E dos cromados das viaturas de duas e quatro rodas Em que partíamos numa realização de som e de fúria Que para tantos terminou em cinza
E agora, no tempo ameno dos lilases Balança-se tudo na arca das recordações E o início da jornada, o cheiro de baunilha do jardim-escola Entranhado nas minhas narinas de menina Já não me parece tão inócuo Porque, afinal, delineou o meu caminho até ti Talvez porque o cansaço de ser vermelho e preto Me levasse a procurar o rosa que abarcava todos os nossos caprichos E birras Sem nunca deixar de ser um regaço de ternura, um reduto de apaziguamento A caverna apetecida onde os nossos olhos viviam as aventuras coloridas Que passavam no ecrã gigante da alvura da parede na nossa sala de cinema
Não sei, se foi o verbo nos teus lábios Que me prendeu o olhar, a atenção Ao teu porte carregado de ironia E distanciamento crítico pelas coisas
À frente do anfiteatro Antes e depois dos seminários Falávamos muito e a tua proximidade Apetecia-me de um modo diferente Difícil de catalogar
Talvez, não fosse bem isso Talvez eu me recusasse a fazê-lo Por recear, perder a dimensão Do que é sensato, normativo Ideal
No entanto, quando a idade avança E a memória dobra em nós A multiplicidade de momentos vividos Permitimo-nos, por vezes Vaguear para longe dos nossos pressupostos E resta-nos admitir a estranheza de tantos Eus Que fomos e deixámos pelos caminhos Unhas dolorosas que cortámos e voltaram sempre A crescer Na penumbra dos nossos esconsos Nos armários dos nossos quartos Que invadem a nossa vigília Quando apagamos a luz para descansar