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querotrazerapoesiaparaarua

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Passos Quebrados

The-Organization-of-the-Agrarian-Movement-1926

Passos quebrados
Rostos tristes
Olhar nu de esperança
Assim vai o meu povo
Vergado a injustiças
Sebentas do passado
Renovadas, mascaradas
Num registo de democracia

 

É preciso inventar um caminho
Mas só a luz da clareza
Da informação e da denúncia
Nos poderão levar a outro rumo

 

Se permanecermos alheios aos conluios
Nas trevas da incerteza e da indiferença
Nunca seremos mais do que animais inocentes
Condenados a destinos vis
Sempre na rota de um matadouro imenso
Onde desaguam a falência dos nossos sonhos
E daqueles que nos são queridos

 

É fundamental, não cedermos ao cansaço
E à dormência
Que nos faz fechar os olhos na agonia
De quem já sente
Que nada vale a pena

 

Ana Wiesenberger
21-08-2014

Imagem – Diego Rivera

Portugal Pequenino

Portugal pequenino
Minha sereia comprometida
Na dualidade das serras e do oceano
No linguarejar cantado de uns
Arrastado de outros
De erres pronunciados
De vogais finais inaudíveis
De redes de pesca
Mescladas de bois potentes
Na lavoura de outros dias
Intervalada por serões
De Xailes negros
E mulheres feiticeiras
A carregarem a noite
Nas traves do Fado

 

Portugal pequenino
Das naus corajosas a descobrirem
Horizontes
Dos sonhos de grandeza em terras
De Além-Mar
Das vozes viúvas, órfãs de fé
Em cais de angústia
Dos filhos, dos maridos
Que um regime exilou
Das procissões imensas a alumiarem
As ruas com velas de promessas
Das conversas à margem da lei
Nos cantos nem sempre livres dos cafés
Dos livros passados em segredo
De mão em mão
Dos encontros clandestinos
A tecerem manobras de construção
De uma liberdade nova
Para um povo amordaçado

 

E o destino cumpriu-se
E sonhámos ser asas
Pão, educação para todos
Dignidade e paz
Mas sossegámos demais
Confiámos, inocentes
Que o rumo permaneceria
E não vimos os sinais
Deixámos que os filhos
E os netos dos algozes do passado
Se infiltrassem nas malhas da democracia
Que se emparceirassem com os seus iguais
Para minar as nossas vidas
Nos meandros da economia
Nas parcelas do poder
Roubadas sob a nossa desatenção
A nossa apatia
A nossa vontade de acreditar
Que Abril fluiria sempre

 

E agora, meu Portugal pequenino
Voltámos a chorar a ausência
Dos nossos descendentes que emigram
A dor de não sabermos como pagar
As nossas contas
A tristeza de vermos a nossa soberania
Refém de sentenças estrangeiras
A raiva de nos sentirmos assolados
Por uma corrupção a que a justiça
Não põe cobro

 

Portugal, meu Portugal pequenino
É urgente que as tuas gentes inundem as Praças
Que os nossos gritos sejam farpas
Que o nosso hino traje de novo
A transparência desejada
O fim dos conluios que nos arruínam
A solidez da veracidade nos caminhos

 

Ana Wiesenberger (in Portugal, Meu Amor e Antologia 40 Anos, 40 Poemas)
28-07-2013

 

 

Todos Somos Árvores

Pedro César Teles
Todos somos árvores
Diz Raul Brandão em Húmus
E se assim for, em vez das sete idades
Do Homem de Shakespeare
Assumimos as quatro estações
Num calendário de vida

Como se a infância fosse a alegria
Da Primavera a despontar em nós
Uma multiplicidade de capacidades
Um rompimento verde a ganhar forma

Depois, na euforia do Estio
Já somos frondosas, vitais
E apetecíveis
Num esplendor de querer adulto
A amadurecer horas que parecem
Intermináveis

E contudo, o Outono apodera-se de nós
Aos poucos, sorrateiro
E transforma o nosso viço
Numa paleta mirabolante de ocres e castanhos
Que se despedem de nós numa carícia breve
Para abraçarem o solo

E por fim, a invernia consome-nos com ventos
Frios em hastes secas, tristes
Doentes terminais saudosos de Sol
Já destinados ao mundo das sombras

Mas o ciclo da Natureza perpetua-se
E as árvores, ao contrário de nós
Renovam o alento quando o tempo voltar a aquecer
Nós só o poderemos alcançar nos resquícios
Do nosso sopro na vontade dos que amámos
E foram próximos de nós

Ana Wiesenberger
20-12-2013

Imagem - Pedro César Teles

Hoje Ouvem-se Os Pássaros A Cantar

Van Gogh
Hoje ouvem-se os pássaros a cantar
E há sol, por isso é Primavera
Amanhã talvez seja Inverno como ontem
Ou Primavera como hoje
No norte da Europa vive-se esta incerteza
Nos dias

No sul é diferente
O mal-estar esconde outras razões mais profundas
É a fome, o desemprego, a raiva perante a injustiça
E também a mornidão
Tanta gente que não vê ou pensa
Ou não quer ver, nem pensar
Porque é incómodo ou porque a realidade os levaria
A subtraírem-se ao medo de agir
E o desfiladeiro derradeiro lhes acenasse com a força
Com que nunca viveram os dias

Os pássaros continuam a cantar
Algumas raparigas nigerianas já foram resgatadas
Há muitas ainda para recuperar
Na Nigéria longínqua, na Ásia distante
E nas gaiolas dissimuladas do velho continente
Tão civilizado e tão cruel

É melhor recordar Shakespeare em MacBeth
Não nos entreguemos a tais pensamentos
São de enlouquecer
E porém, o leque das horas abre sempre mais
Recantos esconsos que pretendemos não ver
E vemos com os olhos petrificados de angústia
Com ânsias de erguer tempestades
Fazer acontecer mudanças
Colorir o espaço com o punho individual
Finalmente útil
Finalmente humano

Ana Wiesenberger
30-05-2014

Imagem - Van Gogh

Portugal, meu amor

Diego Rivera

 

Portugal, meu amor
Meu destino por cumprir
Sebastião amordaçado na memória
Mensagem num horizonte sempre longínquo
Gaivota triste em cais de fome

Portugal, meu amor
Minha pátria dos que partem
E dos que esperam
Por melhores dias
Que tardam em chegar

Portugal, meu amor
Das gentes desavisadas
Das gentes desabituadas
Da coragem de dizer NÃO

Portugal, meu amor
Do povo amortalhado em tristeza
Confuso no seu viver dos dias
Que chora para dentro
Envergonhado demais para confessar a dor

Portugal, meu amor
Liberta-te do Fado
Solta o teu grito
Dobra novamente o Cabo das Tormentas
Constrói a Boa Esperança com afirmação
Derrota os conformismos malfazejos
Os brandos costumes
Cabresto infame da razão e do caminho
Silêncio de vítima por preencher com vontade
E determinação

Portugal, agarra a hora
É sempre mais tarde
Mas nunca é tarde demais

Ana Wiesenberger
14-03-2014

Imagem - Diego Rivera


Desejo que o Ano Novo

Thomas Moran

 

Desejo que o Ano Novo

Aguce os sentidos do meu povo

Que ele possa estar mais atento à realidade

E não se deixe alienar pelas tabelas futebolísticas

E enredos de pacotilha no ecrã da sala

 

Desejo que o Ano Novo

Rasgue nas mentes a urgência de agir

A vontade de dizer NÃO

A capacidade de investir contra o logro

A coragem de saber ver, ouvir, ler

E desmantelar as tramas a que nos sujeitam

 

Desejo que o Ano Novo

Alumie nos nossos semblantes

A fome da verdade

A necessidade de condenar a mentira

A força de lutar pela afirmação do nosso valor

De ser hino e de ser História

 

Desejo que o Ano Novo

Faça crescer em nós a empatia

A consciência de sermos irmãos na fome e na dor

E nos dê a solidariedade veemente

Para sermos nobres nos corações

E coniventes nas acções do quotidiano

 

Desejo que o Ano Novo

Seja água primordial que lave dos nossos olhos

Das nossas mãos, dos nossos corpos

A poeira da covardia, da demissão de ser e fazer

E fortaleça nas nossas almas

A convicção da nossa responsabilidade cívica

Da premência de intervir sem medos

E não pactuar com a injustiça e o esmagamento

Dos mais fracos

 

Desejo que o Ano Novo

Não seja a perpetuação do mal a acontecer

Ao nosso lado indiferente, acomodado ou desatento

Que depois nos surpreende em títulos dolorosos

De pedofilia, violência familiar, maus tratos e abandono;

Seres humanos e animais ultrajados na sua condição

Vergados a pulsões doentias de quem só ama a morte

E a destruição

 

Desejo que o Ano Novo

Signifique nas nossas vidas

Um verdadeiro despertar

Para a dimensão de SER

 

Ana Wiesenberger

31-12-2013

 

Imagem - Thomas Moran

 

Feliz Ano Novo! - Diz-se

Pedro César Teles

 

Feliz Ano Novo! - Diz-se

E é imperativo acreditar

Na fronteira entre o que era

E o que vai ser

Na mornidão amarga das jornadas

 

São foguetes e arraiais no céu

São gritos de júbilo

E euforia nas praças

São restos de espumante e melodias

Que as gentes adormecem na madrugada

 

E se no dia primeiro, do ano que há-de ser

O sol vier inundar o ar de alegria

Parece que tudo nos faz crer

Na promessa da mudança

Na desejada Bem-Aventurança

Por que rezámos ou não

Ao jeito das nossas múltiplas confissões

 

Mas, se não vestirmos os nossos gestos

De outros modos

Se não vivermos as horas

Com um brilho de força renovada

Permaneceremos presas assustadas

Na teia cinzenta dos nossos dias

 

Ana Wiesenberger

01-01-2013

 

Imagem – Pedro César Teles

Gostava De Acreditar Na Mudança

Gostava de acreditar na mudança
Na força das vozes
No eco das palavras
Na determinação das massas
Em dar corpo
A um novo rumo

E mesmo assim, vacilo
Em intervalos de entusiasmo
E receio do mesmo

Tenho medo, que manobrem o meu povo
Com Mesuras de ilusionista
A fazer crer aos cidadãos revoltados
Que o pão lhes será restituído
Na forma de números cifrados
Previamente preparados para apresentar
Depois da ira da nação

Será, que continuamos a ser
Marionetas bem articuladas
Nas mãos dos todo-poderosos de argúcia
Que se entretêm a aplaudir os nossos passinhos
Por eles medidos e calculados

Será, que nos vão vencer de novo
Ao fazer-nos pensar que algo foi conquistado
Para desenovelarem, tranquilos
Novos roubos camuflados
Garras frescas nas nossas gargantas crédulas

Não. Não pode ser
Eu quero crer no rosto de Portugal
Triste
Exausto de escravidão
Mas de olhos abertos, lúcidos
Demasiado despertos
Para se deixarem enganar mais uma vez

17-09-2012
Ana Wiesenberger (in Portugal, Meu Amor)

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