Obrigada, Sol Porque me aqueces E dissolves com amor O frio que me inunda a alma
Obrigada, Vento Porque me sacodes E me libertas do entorpecimento Com que a depressão me ameaça
Obrigada, Chuva Porque me despertas Quando sulco as ruas Ausente de rumo e sentidos
Obrigada, Neve Que me envolves em beleza E espalhas a magia em redor Por que os meus olhos anseiam
Se eu fosse tempo Seria nevoeiro, glaciar Ou tempestade Mas como sou mulher Solto o meu temperamento cíclico Em lágrimas, gritos e fúrias infernais Nos dias em que não consigo Ser apenas sorriso
Entre patas e garras de amor Repousam meus afectos contínuos E enormes de ver
Entre focinhos e pêlos fofos Refugio o meu rosto do mundo Na hora do amor
Faz-me tanta falta o miar e o latir Que já não oiço Os dentinhos agudos, brincalhões A ameaçarem carinhosas proximidades À minha pele triste Num esboço de dentada Feito de ternura
A minha memória é uma galeria de cor E de cheiros Sepultados pelos caminhos que o tempo lavrou Todavia, mais reais que o ar que respiro Que me devia nutrir de capacidade Para amar este mundo imperfeito Em que tudo é o que não é E parece ser outra coisa ainda Que nem linda é
Obrigada, meus amigos de sempre, para sempre Por terem franqueado o cerro do vidro fosco Em que me tornei
Obrigada por não me permitirem fechar a porta Do ser, do sentir e do partilhar
Obrigada por me embalarem na harmonia Na sabedoria ancestral dos vossos gestos
Setembro dos ocres misteriosos A surpreenderem-nos pelos caminhos Por entre o calor do sol E o sal do mar que apetece Agora mais do que nunca Porque sentimos a ânsia de prender o Verão Não permitir que ele parta E leve consigo as horas despreocupadas Que vivemos Os risos das crianças, os olhares cúmplices Dos apaixonados libertos do jugo do trabalho Para amar
Setembro das minhas memórias doces De juventude Mãos enlaçadas em passeios inocentes ao pôr-do-sol A desenovelar sonhos por cumprir Destinos difusos ainda A ganhar contornos nas nossas vozes de esperança Nas nossas expectativas articuladas Na promessa que os adultos diziam ver em nós Ou não
Setembro do amor, da paixão natural Que tivemos de encerrar numa caixa de areia Por sermos néscios e acreditarmos Que os outros tinham razão Não era para cumprir E afinal, a vida reencontrou-nos em amizade De cicatrizes guardadas e esquecidas E eu penso nas horas pardas da minha meia-idade Que até estive com o Príncipe Encantado Mas não fui capaz de vestir a minha rebeldia de egoísmo E fiz-lhe ver, que eu não era a sua destinada Princesa
Na despedida trocámos prendas Tirei o meu colar de contas violeta do pescoço Ele despiu a camisola verde como a copa das árvores Que ambos sabíamos respirar Abraçámo-nos com olhos vítreos de dor E voz quebrada Em mim sempre o imperativo do verbo a ceifar o meu querer O meu desejo É melhor assim!
Ana Wiesenberger (02-09-2014) Imagem - Gustav Klimt
No bosque onde as árvores altas Me fazem esquecer os muros da cidade Diluo o meu medo dos dias E encho o peito de cheiros melodiosos Feitos de resina e verde de vida
Detenho os olhos na imensidão de pinhas Espalhadas pelo solo - tão pequeninas E sinto a saudade das irmãs delas Que, agora, me parecem enormes Expoentes do sul da Europa Marcas do país que trago comigo
A dor explode, mas não permanece Um bailado de borboletas enleva-me Em oração - um sentimento de gratidão Profunda Pelo ar que respiro Pela centelha de energia que habita em mim Pela beleza da natureza que me envolve Pelo mistério do tempo que as horas encerram E tal como as marés Levam e trazem significados Que só as mentes abertas Conseguem descodificar - sentir
E depois, já mais leve Dirijo os meus passos para casa A entreter no coração desejos de liberdade Fecho os olhos por um minuto E já não sou mulher O lobo que me sustém afasta-se, gracioso E une-se à paisagem
Todos somos árvores Diz Raul Brandão em Húmus E se assim for, em vez das sete idades Do Homem de Shakespeare Assumimos as quatro estações Num calendário de vida
Como se a infância fosse a alegria Da Primavera a despontar em nós Uma multiplicidade de capacidades Um rompimento verde a ganhar forma
Depois, na euforia do Estio Já somos frondosas, vitais E apetecíveis Num esplendor de querer adulto A amadurecer horas que parecem Intermináveis
E contudo, o Outono apodera-se de nós Aos poucos, sorrateiro E transforma o nosso viço Numa paleta mirabolante de ocres e castanhos Que se despedem de nós numa carícia breve Para abraçarem o solo
E por fim, a invernia consome-nos com ventos Frios em hastes secas, tristes Doentes terminais saudosos de Sol Já destinados ao mundo das sombras
Mas o ciclo da Natureza perpetua-se E as árvores, ao contrário de nós Renovam o alento quando o tempo voltar a aquecer Nós só o poderemos alcançar nos resquícios Do nosso sopro na vontade dos que amámos E foram próximos de nós
Janelas de sol descobrem no casamento cinzento Do céu e do mar Rasgos de luz e beleza a quem o rugir das ondas Empresta interstícios indecifráveis de raiva e dor Num concerto monumental acontecido E sempre novo sob a ogiva da terra mãe Doce alento que me dobras na desesperança Na fealdade fútil dos dias O encanto da maresia ancestral que sou eu E me deslumbra numa promessa de unidade perdida Num regresso sempre temido Sempre desejado
Conheço uma árvore inconformista Rebelde, até, talvez Deceparam-lhe o tronco Só ficou um coto Uma lembrança da sua existência Um vestígio velado para a memória Daqueles que nela um dia repararam
E no entanto, ao fim de um tempo Ao passar junto ao que dela restava Fiquei estupefacta O passeio estava lavrado de verde Das raízes poderosas brotaram folhas Construíram uma grandeza de arbustos Sebes da vontade alheia Que a quis condenar ao não-ser Uma floresta em ponto pequeno A adensar por entre as pedras Alinhadas por homens A força da natureza
E eu comovi-me Fiquei enlevada pela determinação Da velha árvore que não quis morrer E derramou a força do seu querer Numa dimensão de grito Desejei, assim, ser irmã dela na pujança Na transcendência dos destinos