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querotrazerapoesiaparaarua

querotrazerapoesiaparaarua

Obrigada, Sol

Joseph Mallord Turner
Obrigada, Sol
Porque me aqueces
E dissolves com amor
O frio que me inunda a alma

Obrigada, Vento
Porque me sacodes
E me libertas do entorpecimento
Com que a depressão me ameaça

Obrigada, Chuva
Porque me despertas
Quando sulco as ruas
Ausente de rumo e sentidos

Obrigada, Neve
Que me envolves em beleza
E espalhas a magia em redor
Por que os meus olhos anseiam

Se eu fosse tempo
Seria nevoeiro, glaciar
Ou tempestade
Mas como sou mulher
Solto o meu temperamento cíclico
Em lágrimas, gritos e fúrias infernais
Nos dias em que não consigo
Ser apenas sorriso

Ana Wiesenberger
17-09-2014

Imagem - Joseph Mallord Turner

Entre Patas E Garras de Amor

Cori Solomon
Entre patas e garras de amor
Repousam meus afectos contínuos
E enormes de ver

Entre focinhos e pêlos fofos
Refugio o meu rosto do mundo
Na hora do amor

Faz-me tanta falta o miar e o latir
Que já não oiço
Os dentinhos agudos, brincalhões
A ameaçarem carinhosas proximidades
À minha pele triste
Num esboço de dentada
Feito de ternura

A minha memória é uma galeria de cor
E de cheiros
Sepultados pelos caminhos que o tempo lavrou
Todavia, mais reais que o ar que respiro
Que me devia nutrir de capacidade
Para amar este mundo imperfeito
Em que tudo é o que não é
E parece ser outra coisa ainda
Que nem linda é

Obrigada, meus amigos de sempre, para sempre
Por terem franqueado o cerro do vidro fosco
Em que me tornei

Obrigada por não me permitirem fechar a porta
Do ser, do sentir e do partilhar

Obrigada por me embalarem na harmonia
Na sabedoria ancestral dos vossos gestos

Obrigada por me ensinarem a amar

Ana Wiesenberger
21-05-2012

Imagem – Cori Solomon

Setembro

Gustav Klimt
Setembro dos ocres misteriosos
A surpreenderem-nos pelos caminhos
Por entre o calor do sol
E o sal do mar que apetece
Agora mais do que nunca
Porque sentimos a ânsia de prender o Verão
Não permitir que ele parta
E leve consigo as horas despreocupadas
Que vivemos
Os risos das crianças, os olhares cúmplices
Dos apaixonados libertos do jugo do trabalho
Para amar

Setembro das minhas memórias doces
De juventude
Mãos enlaçadas em passeios inocentes ao pôr-do-sol
A desenovelar sonhos por cumprir
Destinos difusos ainda
A ganhar contornos nas nossas vozes de esperança
Nas nossas expectativas articuladas
Na promessa que os adultos diziam ver em nós
Ou não

Setembro do amor, da paixão natural
Que tivemos de encerrar numa caixa de areia
Por sermos néscios e acreditarmos
Que os outros tinham razão
Não era para cumprir
E afinal, a vida reencontrou-nos em amizade
De cicatrizes guardadas e esquecidas
E eu penso nas horas pardas da minha meia-idade
Que até estive com o Príncipe Encantado
Mas não fui capaz de vestir a minha rebeldia de egoísmo
E fiz-lhe ver, que eu não era a sua destinada Princesa

Na despedida trocámos prendas
Tirei o meu colar de contas violeta do pescoço
Ele despiu a camisola verde como a copa das árvores
Que ambos sabíamos respirar
Abraçámo-nos com olhos vítreos de dor
E voz quebrada
Em mim sempre o imperativo do verbo a ceifar o meu querer
O meu desejo
É melhor assim!

Ana Wiesenberger (02-09-2014)
Imagem - Gustav Klimt

No Bosque Onde As Árvores Altas

By Mukul Soman (National Geographic)
No bosque onde as árvores altas
Me fazem esquecer os muros da cidade
Diluo o meu medo dos dias
E encho o peito de cheiros melodiosos
Feitos de resina e verde de vida

Detenho os olhos na imensidão de pinhas
Espalhadas pelo solo - tão pequeninas
E sinto a saudade das irmãs delas
Que, agora, me parecem enormes
Expoentes do sul da Europa
Marcas do país que trago comigo

A dor explode, mas não permanece
Um bailado de borboletas enleva-me
Em oração - um sentimento de gratidão
Profunda
Pelo ar que respiro
Pela centelha de energia que habita em mim
Pela beleza da natureza que me envolve
Pelo mistério do tempo que as horas encerram
E tal como as marés
Levam e trazem significados
Que só as mentes abertas
Conseguem descodificar - sentir

E depois, já mais leve
Dirijo os meus passos para casa
A entreter no coração desejos de liberdade
Fecho os olhos por um minuto
E já não sou mulher
O lobo que me sustém afasta-se, gracioso
E une-se à paisagem

Ana Wiesenberger
09-08-2014

Imagem - Mukul Soman (National Geographic)

Todos Somos Árvores

Pedro César Teles
Todos somos árvores
Diz Raul Brandão em Húmus
E se assim for, em vez das sete idades
Do Homem de Shakespeare
Assumimos as quatro estações
Num calendário de vida

Como se a infância fosse a alegria
Da Primavera a despontar em nós
Uma multiplicidade de capacidades
Um rompimento verde a ganhar forma

Depois, na euforia do Estio
Já somos frondosas, vitais
E apetecíveis
Num esplendor de querer adulto
A amadurecer horas que parecem
Intermináveis

E contudo, o Outono apodera-se de nós
Aos poucos, sorrateiro
E transforma o nosso viço
Numa paleta mirabolante de ocres e castanhos
Que se despedem de nós numa carícia breve
Para abraçarem o solo

E por fim, a invernia consome-nos com ventos
Frios em hastes secas, tristes
Doentes terminais saudosos de Sol
Já destinados ao mundo das sombras

Mas o ciclo da Natureza perpetua-se
E as árvores, ao contrário de nós
Renovam o alento quando o tempo voltar a aquecer
Nós só o poderemos alcançar nos resquícios
Do nosso sopro na vontade dos que amámos
E foram próximos de nós

Ana Wiesenberger
20-12-2013

Imagem - Pedro César Teles

Janelas de sol descobrem no casamento cinzento

Pedro César Teles

 

Janelas de sol descobrem no casamento cinzento
Do céu e do mar
Rasgos de luz e beleza a quem o rugir das ondas
Empresta interstícios indecifráveis de raiva e dor
Num concerto monumental acontecido
E sempre novo sob a ogiva da terra mãe
Doce alento que me dobras na desesperança
Na fealdade fútil dos dias
O encanto da maresia ancestral que sou eu
E me deslumbra numa promessa de unidade perdida
Num regresso sempre temido
Sempre desejado

Ana Wiesenberger
01-04-2014

Imagem - Pedro César Teles

Este Corpo É Uma Hiena Doente

Arnold Böcklin

 

Este corpo é uma hiena doente

Condenada a errar a sua fome permanente

Que a ausência de dentes capazes

Não lhe permite saciar

 

E contudo, tenho voos de águias

A explodirem no meu peito imenso

E prelúdios de caça grandiosa

Em esgares de lobo premeditado

De olhos vagabundos de horizontes

 

Dói-me a insensatez deste vulto

Que ora exulta, ora cai

Ora é, ora não é

Querendo picar o ar como os falcões

Enquanto rasteja humilde como as cobras

Amedrontado, inquieto, preso

Nos ecos insofismáveis das vísceras mestras

 

Ana Wiesenberger

Março 2014

 

Imagem - Arnold Böcklin

Conheço Uma Árvore Inconformista

 Imagem - Margarita Sikorskaia

Conheço uma árvore inconformista
Rebelde, até, talvez
Deceparam-lhe o tronco
Só ficou um coto
Uma lembrança da sua existência
Um vestígio velado para a memória
Daqueles que nela um dia repararam

E no entanto, ao fim de um tempo
Ao passar junto ao que dela restava
Fiquei estupefacta
O passeio estava lavrado de verde
Das raízes poderosas brotaram folhas
Construíram uma grandeza de arbustos
Sebes da vontade alheia
Que a quis condenar ao não-ser
Uma floresta em ponto pequeno
A adensar por entre as pedras
Alinhadas por homens
A força da natureza

E eu comovi-me
Fiquei enlevada pela determinação
Da velha árvore que não quis morrer
E derramou a força do seu querer
Numa dimensão de grito
Desejei, assim, ser irmã dela na pujança
Na transcendência dos destinos

Ana Wiesenberger
15-07-2013

 

Imagem - Margarita Sikorskaia

SE EU MORRESSE AMANHÃ

Imagem - René Magritte

 

 

 

Se eu morresse amanhã

 

Se eu morresse amanhã

E o dia estivesse lindo

 

Se eu morresse amanhã

Sem ter ido à praia

 

Se eu morresse amanhã

Sem ter libertado os meus braços, dos abraços

Que não te prometi,

Mas tinha nos meus braços,

Só para ti

 

Se eu morresse amanhã,

Sem ver a Estrela Polar, o poente em África,

O sol da meia-noite em latitudes eslavas

 

Se eu morresse amanhã

E ainda guardasse no meu regaço

As centenas de beijos, que jurei distribuir,

Os milhões de olhos-nos-olhos, que quis oferecer

 

Se eu morresse amanhã

E o sol não viesse, no dia seguinte

 

 

Se eu morresse amanhã

E a noite celeste, teatral, já não me cingisse,

Eu queria estar no topo do meu mundo,

Acostada, empoleirada, amurada nas ameias

Do desejo do tempo,

Como se não houvesse, amanhã

 

Ana Wiesenberger in IDADES

 

 Imagem - René Magritte

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