O dia começa em bruma Resquícios de uma Alcácer-Quibir Sempre presentes Sempre por resolver A cortar, dilacerantes A pretensa paz por edificar em mim Horas possíveis de construção de sentido
As vozes do passado são muitas E os seus gritos sobrepõem-se ao presente Tornam-me impossível conciliar Os caminhos seguidos, ditados pela razão megera Que me algemou ao sofrimento constante Feridas abertas e purulentas dos sonhos sacrificados Eternamente cativos na cave da minha vida E só libertados em memória dolorosa Quando a tempestade me trespassa E me dá ganas de assassinar o real Por ser uma mentira torpe
O dia começa com um travo estranho, bolorento Que me causa náusea e me exila da vontade do suster Substância que o corpo sossegou numa agonia bafienta A amordaçar o espírito no Não-Ser E o único rumo, que ainda me resta É Ser através da tinta no papel amigo Aranha triste a um canto do tempo incerto A aguardar a morte na sua teia breve
Ontem à noite adormeci Vencida pelo cansaço do dia E traí a chuva de letras Que jorrava em mim Uma sede de papel por abarcar
Hoje, quando acordei Perturbada pela culpa Esquadrinhei os cantos da mente Mas elas são caprichosas E castigaram-me com silêncio
Não se escreve porque se gosta Escreve-se porque só assim se é No entanto, parece-me em rigor Que o poeta não é senhor Mas sim, servidor do verbo Como se apenas tivesse sido escolhido Mão humilde e atenta Perante a exuberância dos ecos Que em si moram