São as pequenas coisas Os gestos simples Que nos nutrem a alma
A frescura da água No nosso rosto pela manhã O conforto do roupão depois do duche O cheiro do café a inundar a casa A anunciar o início de mais um dia
São os sorrisos dos colegas, dos amigos Um bom-dia afectuoso que ouvimos Um comentário que nos faz sentir pertença Uma pergunta íntima e não retórica A inquirir, se estamos bem
O sabor dos alimentos à hora da refeição O quente e o frio a espalhar sensações Na nossa boca, no nosso corpo A sede que se mitiga com a facilidade De um copo diante de nós A algazarra da família em redor da mesa As vozes díspares e contudo, unas De quem respira um quotidiano partilhado De anseios e preocupações De encontros e desencontros Lá fora, do lado de lá da porta
E a paz do recolhimento ao cair da noite Ao fecho de mais uma jornada As boas-noites, os bons sonhos Que mutuamente se desejam A tranquilidade das pálpebras que descem Rendidas à melodia do sono
Há alturas em que temos de parar de ser Para sentir Arrumar o corpo num sítio, aquietá-lo Imobilizá-lo e permitir que o olfacto E a visão suturem o vazio instalado
Suspender a inquietude da afirmação do ego Atar a leveza da borboleta a uma pedra E esperar pela profundidade do musgo Dos nossos pensamentos mais íntimos Sempre ocultos nos passos desaustinados De um quotidiano febril em que se faz O que tem de ser feito Em que se olvida o querer A voz subterrânea cada dia mais amordaçada Sufocada pela realidade invasiva A anular o que há de singular em nós
De tantas pontes construirmos Para chegarmos aos outros Esquecemo-nos da necessidade de olharmos Para dentro e lermos a nossa verdade Que pode não ser admirável, qual obra de arte Mas é a nossa raiz, a nossa marca Que nos distingue dos outros A nossa respiração
Ela disse, que ele disse Que a amava Que dela cuidava Carinho, flores Olhos nos olhos Braços noutros braços Entrelaçados Nós de emoção Ou apenas paixão
Ele disse, que ela disse Que nele não confiava Que ele lhe mentia Que era o que não era E também o que parecia Querer ser
Ela exigiu palavras, desculpas Verdades absolutas De que aparentemente carecia Pontas soltas dos laços do absurdo Que ao longo do dia se desenrolavam Por entre os demais
Ele disse, que ela perdera o fio débil Da racionalidade ainda sustentada Por dentro da unidade psiquiátrica Que ambos cingia
Ela disse, que ele alucinava e vacilava Entre esgares de desprezo E SMS com promessas de amor íntegro
E os outros passaram a segui-los com o olhar Num entusiasmo de quem finalmente É parte de um elenco Num enredo propício a muitos episódios Com a satisfação de quem descobre Uma série de sucesso Um carrossel interminável de altos e baixos Como as vidas cheias do ecrã Capazes de os fazer olvidar O cinzento pardacento dos próprios dias