Começo O Dia A Espiar As horas No Relógio de Pulso
Começo o dia a espiar as horas no relógio de pulso
E a afastar a noite de dentro de mim
Salpicos de vazio do ontem, ainda a estorvarem-me
Na mira da Casa de Partida
A perna esquerda, pelo menos está viva
Tenho a certeza porque me dói
E desato a rir do absurdo de me lembrar
Que o povo assume os ossos
Como cérebros da meteorologia
Engulo o café, entranho o fumo do cigarro
Mais um e juro, que me vou erguer da cama
É domingo, aquele dia meio estúpido
Que nem é início nem fim de semana
É só uma voz inquietante a censurar-nos
Por não termos aproveitado as horas livres
Como devíamos
E a acenar-nos com a segunda-feira dura de roer
É desta! Espreguiço-me
O hálito esquisito ainda não convida a pequeno-almoço
Mais tarde, daqui a pouco já como
E vem-me à memória súbita, o tempo em que conseguia
Deglutir uma tigela de cereais, logo ao despertar
O tempo é um escultor ou uma bomba química, hostil
Que destrói as nossas capacidades?
Olhamo-nos ao espelho e temos de lavar a cara
Aquele estranho(a) diante de nós
Para onde terá ido o meu rosto, o meu sorriso?
Para onde terá ido a fome do meu olhar?
Ana Wiesenberger
19-04-2015
Imagem – Pablo Picasso