Hoje é Halloween! Exorcizemos os nossos medos Sob o negro das máscaras Cortejo de bruxas e morcegos Gadanhas, garras e dentes exorbitantes De vampiro
Hoje é Halloween! No calendário Celta, fim do ano Pesemos as nossas dúvidas Encaremos as nossas dívidas Perante a condição humana Que vestimos A grandiosidade de Deuses Que almejamos
Hoje é Halloween! Façamos a paz com os nossos mortos Anulemos os rancores e os remorsos Permitamos, nesta noite, a proximidade indefinida Da Morte e da Vida
Hoje é Halloween! Tomemos parte na festa das crianças Que elas possam colher na hora aberta A dádiva da escolha do caminho Do doce e do amargo, do susto ou da harmonia Na convivência com os demais
Hoje é Halloween! As árvores despidas de folhas Que amolecem os nossos passos Anunciam com fervor ancestral A Morte e a Ressurreição da Vida
Ana Wiesenberger 31-10-2014
Imagem - foto tirada na biblioteca da minha escola há uns anos
Fazem-me falta as vossas vozes poéticas O Eco das palavras debitadas A formar círculos dentro de nós Como se fôssemos lago e os poemas Pedrinhas traquinas lançadas Pela inocência em busca de sentido
Fazem-me falta os momentos de inquietude Os nossos nomes que alguém diz ao microfone Para nos chamar a uma ribalta Só concebida nos nossos sonhos-águia Porque na realidade é só um cantinho do bar Onde a esperança de sermos ouvidos e compreendidos Nos dá força para elevarmos os nossos registos Numa oração partilhada
Fazem-me falta os minutos ansiosos Antes da chegada aos locais Os do regresso, também, em que satisfeitos A alma respira uma harmonia benfazeja Por entre o cansaço dos músculos Que os nervos vergaram para dar corpo À mensagem, ao mistério do verbo sempre renovado Sempre reconstruído e singular Para servir a convulsão dos sentimentos A balbúrdia dos caminhos A bússola das horas vividas intercaladas Com o fio onírico do tempo subjectivo Que nos sustém
As pessoas sós passam o tempo A deslizarem interminavelmente Pelos corredores dos seus pensamentos Construídos na ausência, na exclusão Dos ecos das outras vozes Que talvez desejassem perto, às vezes
Arrastam cada detalhe com cuidado Como se pisassem vidros finos E cada novo trilho é sempre a procura Do indefinível na trivialidade da aparência Dos factos quotidianos
Erram os olhos numa distância íntima Entre sombras e prenúncios de formas Que deslindam com vagar Como se caminhassem à beira-mar Numa demanda de conchas pequeninas Suspensas numa filigrana de espuma breve
E quando lhes acontece estar entre os outros Desatam esgares em vez de sorrisos Desajeitadas, distraídas dos gestos convencionais Mal articuladas em frases soltas Num trapézio de expectativas vãs De se verem compreendidas
E depois regressam ao seu espaço Calçam os seus passos inseguros de exterior Com as pantufas de feltro velho dos seus sonhos E aninham-se na poltrona puída de uma saudade Singular a tecer fios novos para a sua teia Com a consciência triste de ser aranha e mosca Em simultâneo Num conluio de estranheza
Estou cansada de memórias De salas de espera arrumadas em cubos Como aquários de grilos sibilantes
Já mandei calar o Watson e o Sherlock Holmes Disse ao Eça que fosse govarinhar para longe E ao Brecht que fizesse uma revolução
Eu estou fatigada de ecos dentro e em redor de mim Já não encontro chaves à espera que eu lhes pegue Já não distingo a Fada Boa da Má E desisti de ir até Oz
Vou desintegrar-me em palavras vãs e audiências A condizer E fingir-me leda, completa, toda adaptada ao vazio Das vozes que me estreitam pretensamente perto E cada vez mais longe de mim
Vou exilar-me nas montanhas do sono e do sonho Onde a beleza ainda acontece e eu não tenho frio Nem fome de ser e estar Onde os seres pequeninos são mestres e sábios E sabem ouvir e ensinar Onde não há espaço para mentiras ou inverdades Onde a transparência das almas se entrelaça Numa harmonia expansiva de um arco-íris sem par E ninguém precisa de se justificar Para existir
De costas voltadas para vida Passamos os dias entre ninharias prementes E mal-entendidos que criamos No nosso afã de fazermos de conta Que somos importantes
E ignoramos o peso das horas Que não vivemos Para ver, compreender, crescer Até que tudo nos parece sórdido, pardacento Ignóbil e fútil
Quando nos lembramos de agarrar O fio dos dias É em arranques inconsequentes Numa vontade infelizmente intermitente De sermos singulares e verticais
E o tempo desliza Os anos passam sem acenarem E quando damos por nós Já avistamos o cais derradeiro E descobrimos que não fomos Não fizemos Não deixámos nada a assinalar a nossa presença Num território que por décadas Nos foi dado ocupar
É urgente aprendermos a vestir convicções Nos nossos gestos, nos nossos passos Não desperdiçar a oportunidade de sermos voz De sermos balada, sinfonia Em vez de requiem adiado Na flor das idades Que julgámos viver